-->
Cidades

Mães de bebês arco-íris falam sobre a dor de perder um filho e a superação

Mães que tiveram uma ou mais perdas gestacionais contam as dificuldades em um dos momentos mais dolorosos e a volta por cima com o nascimento de seus bebês

Correio Braziliense
postado em 13/02/2020 06:00
Giselle perdeu trigêmeos após o nascimento deles. Seis meses mais tarde, engravidou de Isaac Noah“Saí de casa grávida de três meninos e voltei sem nenhum deles nos braços. Olhava para a casa, para o colo, para o quarto, não os via. Entrei numa depressão muito forte. Mas decidi não desistir de um sonho. Ainda durante o luto, após seis meses, engravidei do meu arco-íris.” O depoimento é da cantora Giselle Cândido, 30 anos. Ela perdeu trigêmeos em março de 2018. Hoje, com Isaac Noah, de 8 meses, nos braços, ela ajuda mulheres que enfrentam ou enfrentaram a mesma dor, por meio das redes sociais.

Os bebês arco-íris são aqueles que nascem após uma ou mais perdas gestacionais, sejam por problemas de saúde, sejam por aborto espontâneo. “É uma dor que ninguém consegue mensurar, só quem a por aquilo. Às vezes, nem o próprio companheiro sente o que sentimos. Com fé e perseverança, estou com meu Isaac”, diz.

Giselle lembra que se preparou por um ano para ser mãe. Era um sonho dela e do marido. Ao completar 19 semanas — o equivalente a cinco meses de gestação —, foi a uma consulta e descobriu que estava com Insuficiência Istmo Cervical (IIC), condição em que o colo do útero reduz de tamanho e se dilata antes do fim da gravidez. Ela ou por um procedimento e ficou internada por 30 dias, mas o colo não resistiu e José Heitor, José Bernardo e José Emanuel nasceram prematuros.
 
Dois deles sobreviveram por 15 horas. O terceiro, por quatro dias. “Foi um processo de luto muito difícil. Mas, depois de seis meses, estava grávida novamente. Foi uma mistura de sentimentos. Estava sofrendo pelos filhos e feliz pelo que estava por vir. Um nunca substitui o outro”, afirma a cantora.

Desde que engravidou dos trigêmeos, ela relata tudo em uma página do Instagram. Após a perda dos meninos e o nascimento de Isaac, a conta na rede social ou a se chamar 3anjose1arcoiris. Depois de conhecer várias mulheres na mesma situação, começou o projeto Mães de Arco-íris para ilustrar a esperança após uma perda gestacional.

Apoio

A iniciativa de práticas integrativas da Secretaria de Saúde auxilia muitas mulheres a superar o luto causado pela perda de um bebê. Estudos variados apontam que em torno de 20% das grávidas têm a gestação interrompida de forma espontânea antes da 12ª semana de gravidez. Quando isso acontece até a 22ª semana, denomina-se perda gestacional precoce. A partir daí, perda gestacional tardia. A morte neonatal corresponde ao falecimento do recém-nascido até os 28 dias de vida completos.
 
Por meio do programa, as mães participam de atividades como Reiki, acupuntura, terapia comunitária e o uso de Homeopatia, tratamentos que podem ser importantes aliados das famílias que am pela perda gestacional. A conversa com um psicólogo na unidade de saúde onde a gestante foi atendida também é importante. 

“É comum as mães relatarem a frieza, inclusive de profissionais de saúde, principalmente quando a perda é no início da gestação. Dizem coisas do tipo: ‘Logo você engravida de novo’. Tratam o ocorrido com certa indiferença só porque você não conheceu aquela criança. Mas, desde que você engravida, você já ama o seu filho”, relata a servidora da pasta Filomena de Oliveira Cintra e Silva, 44, que teve duas perdas gestacionais.
 
Com base na própria experiência, Filomena criou o projeto Vozes do Silêncio, com frases que mulheres ouviram após perder um bebê 
 
Ela conta que sonhou que teria três filhos. Duas meninas e um menino. Hoje, ao lado dela e do marido está apenas Catarina Prema, 8. Os outros dois, Alexis e Isaac Felipe, ela chama de bebês-estrela. “Eu não vou tentar mais, porque meu sonho se realizou. Tive minhas duas meninas e meu menino”, disse.

Em razão do Dia Internacional de Conscientização da Perda Gestacional e Infantil, lembrado em 15 de outubro, e baseado na própria experiência, a servidora criou o projeto Vozes do Silêncio. Nele, faz um recorte de frases de mulheres que perderam os bebês durante a gestação ou logo após o nascimento. “É importante conscientizar profissionais de saúde, familiares e amigos, pois, devido à falta de sensibilidade, muitos pais se recolhem e vivem a dor sozinhos. Há o risco de desenvolver uma depressão e outros problemas relacionados à saúde mental”, ressalta.

Vitória

Após seis anos de casada, a dona de casa Natália Lima de Castro, 35 anos, decidiu ter o primeiro filho. À época, aos 26, ela nunca tinha falado sobre o assunto com o marido. ados oito meses, o casal recebeu a notícia tão esperada, a gravidez. Cuidadosa, ela teve acompanhamento médico desde o início.

“Foi uma gestação normal, exames ok, ecografias em dia, tudo certo”, lembra. Ao completar 17 semanas, ansiosa para saber o sexo do bebê, foi ao hospital. “Foi constatada anencefalia (malformação do cérebro). Meu chão caiu naquele momento. Eu tinha que decidir entre dar continuidade à gestação, com riscos, ou induzir o parto. Tive que escolher a segunda opção”, disse. Para ela, apesar de nunca ter carregado nos braços, Rafaela, como se chamaria a primogênita, é uma filha amada.
 
Mesmo depois da dor, o casal não desistiu. Cinco meses mais tarde, recebeu a notícia de nova gravidez. “No início, deu um pouco de medo reviver tudo aquilo, mas deu tudo certo. Tivemos nossa primeira filha e, depois de quatro anos, a segunda. Para celebrar, colocamos Victória no nome das duas”, conta.

Natália ressalta que o apoio da família foi essencial nas duas fases. “Nada que alguém fale vai mudar o que a gente sente. Só a mãe de um bebê que morreu sabe a dor. Mas quando a gente consegue carregar o filho no colo é muito especial. Sou muito babona hoje. Nunca tive muito apego com crianças. Depois de mãe, dou todo o carinho para minhas filhas. A mais velha, minha arco-íris, de 7 anos, eu chamo de bebezão até hoje. São minhas bonecas.”
 
Para celebrar o nascimento das filhas após a perda de uma bebê, Natália colocou Victória no nome das duas 

Esperança

A ginecologista da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA) Natália Paes Barbosa explica que uma perda isolada é comum. Em caso de duas ou mais, a paciente deve ar por uma investigação que aponte a causa. Ela ressalta que uma gestação após um aborto, por exemplo, deixa a mãe ainda mais ansiosa. “Cada exame, cada fase é uma angústia. Ela se preocupa mais, tem pensamentos negativos, já chega achando que vai dar errado. É um misto de emoções.”
 
No entanto, a especialista ressalta: “A mulher nunca deve desistir”. Ela destaca que, assim como um arco-íris aparece depois de uma forte chuva, o filho depois de uma ou mais perdas vem para trazer esperança. “É importante lembrar do lado emocional. Buscar apoio com um psicólogo, parceiro, família, amigos, pessoas que entendam o momento. E manter a esperança sempre”, completa.

Cinco perguntas para Lia Clerot, psicóloga

Como uma mãe pode superar uma ou mais perdas gestacionais?
A perda de um bebê é um processo de luto. Mesmo que seja alguém que ela não chegou a conhecer, é um ser pelo qual nutria sentimentos de amor e de esperança, por quem fazia planos e transformava a vida para sua chegada. Cada mulher reage de uma forma e precisa de seu próprio tempo para lidar com o luto. Nessa hora, o apoio dos entes queridos é fundamental para auxiliar, inclusive para perceber se o quadro está se agravando e requer intervenção profissional.

Qual o papel da família e dos amigos nessa fase?
É fundamental. Ninguém sentirá a dor de forma tão intensa como aquela que carregava o bebê em seu ventre e que mais ava por modificações, sejam físicas, sejam emocionais e sociais. Mas aqueles que a cercam precisam dar o apoio necessário, principalmente demonstrando a empatia pelo bebê que se foi. Não se deve falar em substituições, que ela pode ter outros filhos, pois para ela aquela criança era única e insubstituível. Conselhos simplistas e reducionistas, como “supera isso”, “segue em frente”, podem diminuir aquilo que ela estava sentindo. Esconder e evitar o assunto também não é recomendável — o luto é um processo que precisa ser superado, e não ignorado. Ajude-a a retomar a rotina, converse sobre seus sentimentos e emoções e, principalmente: ouça o que ela tem para dizer.

Manter a esperança é o ideal nesse momento?
A perda da esperança é o que muitas vezes pode levar a quadros de depressão, ansiedade e outros transtornos mentais e até problemas de saúde física. Nessas horas, é importante se valer de fontes de esperança, que para alguns pode vir da família, amigos, religião, leitura de materiais de apoio, hobbies, enfim, aquilo que dê alento e conforto.

Ter acompanhamento com um especialista, como um psicólogo, por exemplo, é importante?
O acompanhamento profissional pode ser necessário. Aos primeiros sinais de perda de controle emocional, é indispensável auxílio de um profissional de saúde mental. A perda do bebê pode ter provocado inclusive alterações físicas e hormonais que requerem um acompanhamento médico de perto.

Como os pais devem tratar o bebê arco-íris?
Os pais precisam entender que ele, assim como o bebê que se foi, é um ser único e deve viver a própria vida. O excesso de expectativas e a angústia sofrida podem sufocar a nova criança. Pais superprotetores, por vezes, tiram o direito de errar, de cair e com isso evitam que a criança aprenda uma coisa nova. Além disso, com o ar do tempo, pode gerar uma criança frustrada por não alcançar as expectativas da família.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail [email protected].

  • uma mulher com uma criança
    uma mulher com uma criança Foto: Caroline Cintra/CB/D.A Press
  • uma mulher com uma criança
    uma mulher com uma criança Foto: Arquivo Pessoal

Tags