
Mulheres pretas são o grupo que mais reporta sofrer discriminação por múltiplas razões no Brasil. Segundo uma pesquisa inédita, 72% delas afirmaram ter enfrentado episódios discriminatórios motivados por mais de um fator, como raça, gênero, aparência física e classe social. Os dados são da nova edição do estudo Mais Dados Mais Saúde, conduzido pelas organizações Vital Strategies e Umane, com apoio da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e do Ministério da Igualdade Racial.
Além das mulheres pretas, os homens pretos também aparecem com altos índices: 62,1% deles indicaram múltiplos motivos para a discriminação sofrida. No geral, 70,9% da população preta entrevistada apontou mais de uma razão para os episódios discriminatórios.
Os resultados reforçam a necessidade de olhar para a interseccionalidade ao discutir desigualdades no país. “É fundamental que seja considerado o fato de que os indivíduos frequentemente ocupam mais de uma posição socialmente desfavorecida, e que essas podem interagir para moldar suas experiências”, explica Janaína Calu, consultora em equidade racial e saúde da Vital Strategies.
A pesquisa aplicou, pela primeira vez em nível nacional, a Escala de Discriminação Cotidiana, ferramenta que mede a percepção de discriminação vivida no dia a dia. No total, 2.458 pessoas foram ouvidas entre agosto e setembro de 2024. Entre os respondentes pretos, 84% relataram já ter sofrido discriminação racial.
Os impactos do racismo estrutural se evidenciam em diversas esferas cotidianas. Ao considerar apenas as respostas “frequentemente” e “sempre”, 57% dos pretos relataram receber atendimento pior que outras pessoas. Mais da metade (51,2%) disse ser tratada com menos gentileza e 49,5% afirmaram ser tratados com menos respeito. Os índices são bem mais baixos entre brancos: 13,9%, 9,7% e 7,7%, respectivamente.
Entre os fatores mais mencionados pelos entrevistados pretos e pardos como causa da discriminação estão raça, educação ou renda, aparência física e local de origem. Já entre os brancos, os principais motivos relatados foram idade, gênero e peso.
“No Brasil, a discriminação é reconhecidamente um dos fatores estruturantes das desvantagens econômicas, sociais e de saúde enfrentadas por grupos racialmente vulnerabilizados”, alerta Janaína Calu. Segundo ela, experiências contínuas de discriminação funcionam como forma de estresse psicossocial e impactam diretamente a saúde mental e física da população.
O estudo também apontou que 21,3% das pessoas pretas relataram ser seguidas em lojas. Entre os brancos, esse índice foi de 8,5%. A ideia de que são vistos como desonestos foi compartilhada por 16,6% dos pretos, 20,2% dos pardos e 5,9% dos brancos.
Trabalho em conjunto
Para Pedro de Paula, diretor-executivo da Vital Strategies, o Sistema Único de Saúde (SUS) pode ser uma ferramenta importante para o enfrentamento das desigualdades. “Enfrentar grandes desafios estruturais, como a discriminação por raça, deve estar entre as prioridades também do setor de saúde. Gerar evidências significa incorporar mais dados sobre os determinantes sociais e o racismo na saúde e informar políticas públicas que visam o combate das desigualdades”, destaca.
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Layla Pedreira Carvalho, diretora de Políticas e de Ações Afirmativas do Ministério da Igualdade Racial, reforça que não há solução única para enfrentar o racismo institucional e que é preciso um trabalho conjunto entre governo, profissionais de saúde, sociedade civil e instituições privadas para promover mudanças significativas. “A pesquisa evidencia a importância de fortalecer o monitoramento de práticas discriminatórias em diferentes dimensões da sociedade — inclusive no o e na qualidade das políticas públicas de saúde.”
*Estagiária sob supervisão de Andreia Castro
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