
O abandono de alguns espaços de Brasília agride nossos olhos com frequência. Mas, para quem caminha como eu, não é raro bater de frente com o belo que vai além do verde e das formas, ora retas, ora sinuosas, dos grandes artistas que criaram Brasília. Aconteceu de novo comigo, e fiquei surpresa.
Decidi caminhar da 516 Sul até o Setor Comercial Sul, no último sábado. Sim, faço caminhadas longas, uma forma de manter mente e corpo alertas e em movimento. Meus olhos de repórter esperavam aquele velho cenário de uma W3 semimorta, lotada de espaços vazios, fechados, longe daqueles áureos tempos em que foi a grande avenida comercial de Brasília. Aqui por dentro, entoava a cantilena resistente do velho discurso de revitalização que nunca saiu do papel.
Mas, devo confessar, vi lampejos bem interessantes, que podem indicar, por que não, novos tempos. Quadra por quadra, o a o, aqui e ali enxerguei além da decadência. Tradicionais lojas em reforma, a resistência dos antigos Pioneira da Borracha e o restaurante Roma. Vi lojas novas em espaços gigantes como a Casa de Carnes Sobradinho. Vi calçadas sendo consertadas.
Mais do que tudo, enxerguei a beleza das intervenções artísticas. Painéis lindos com as figuras de Oscar Niemeyer, Burle Marx, Marianne Peretti, Juscelino Kubitschek e Lucio Costa, que terá seu acervo, infelizmente, transferido para Portugal. Vi pontos de ônibus pintados, grafitados. E vi, também, novos espaços de novos negócios, com jeito diferente de se mostrar e se abrigar. Coworking e um centro criativo, o beco da 506 Sul, iniciativa dos empreendedores abraçada também pelo governo.
Não posso dizer que, desta vez, vai dar certo ou que, de fato, a W3 será revitalizada com o cuidado e o investimento que merece. Mas posso afirmar que, para quem olha de perto, parece que tem um movimento bonito nascendo, de reocupação e reinvenção, do brasiliense para ele mesmo, além de governos e governantes — e digo isso sem querer ser injusta com nenhuma das iniciativas anteriores, mas sabendo que só o brasiliense vai ter, de fato, o talento e a oportunidade para mudar aquilo tudo ali em conjunto com investimentos públicos.
A caminhada foi boa que só. A W3 sempre teve cantinhos interessantes, negócios indiferentes e inusitados. Desta vez, bateu uma certa nostalgia e, ao mesmo tempo, uma esperança de ver aquilo com ainda mais vida num futuro próximo.
Olhar o novo já é bom. Olhar o velho e enxergar nele novidade é melhor ainda. Terminei a caminhada com as pernas sem reclamar e o coração pulsando sangue novo. Aconselho a todos uma volta pela avenida. Apoiar os novos negócios que estão nascendo e os antigos e resistentes que permanecem ali faz parte do nosso dever cidadão. Brasília só tem a ganhar.
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