COMPORTAMENTO

Para apreciadores, bebês reborn são (bem) mais que uma arte

Surgidas nos anos 1990, esses bonecos realistas e criados por artesãos voltaram a fazer sucesso. Brinquedo é levado para ear por adultos. Especialista avalia que produto pode ter valor terapêutico, mas contexto deve ser observado

 ateliê de bebês Reborns Michelly Reborn -  (crédito:  Maria Eduarda Lavocat CB/DA Press)
ateliê de bebês Reborns Michelly Reborn - (crédito: Maria Eduarda Lavocat CB/DA Press)

Já imaginou bebês que não choram? No mundo do artesanato surgem os bebês reborn: bonecas que reproduzem com perfeição os traços de recém-nascidos reais. Mais do que brinquedos, são criações delicadas, em que o real e o imaginário se encontram para encantar quem aprecia essa arte produzida por pessoas dedicadas aos detalhes estéticos das peças.

A história dos reborn remonta aos anos 1990, quando entusiastas do universo do mercado de produtos para diversão infantil começaram a buscar imitações de seres humanos cada vez mais realistas. Nos últimos anos, essas criações ganharam mais visibilidade, impulsionadas pelas redes sociais e pela adesão de figuras públicas como padre Fábio de Melo e Tiago Abravanel, que se encantaram pela tendência e adquiriram seus exemplares.

No entanto, a popularização das bonecas hiper-reais também veio acompanhada de críticas e de polêmicas. Vídeos de colecionadores interagindo com as bonecas, como se fossem bebês verdadeiros, viralizam com frequência, provocando debates nas redes sociais sobre: até que ponto esse comportamento pode ser considerado normal?

"Muitas pessoas, quando me veem andando no shopping com uma boneca realista e uma bolsa de bebê completa — com mamadeira, fralda, lenço e tudo —, pensam: 'É doida, né?' Mas elas não entendem que isso é um hobby", afirma Elisângela Sant'Anna, designer e fotógrafa de 49 anos. Atualmente, com 25 "bebês", ela garante que se trata de uma coleção como qualquer outra. "É um universo mágico, sabe? Algo que vem da infância, que remete àquele tempo e traz aconchego. É a minha terapia", explica.

Elisângela conheceu o "mundo reborn" quando havia acabado de ter seu segundo filho, há oito anos. "Meu irmão me apresentou esse estilo de boneca realista e eu fiquei assustada com a semelhança. A partir daí, comecei a pesquisar mais e a me interessar", lembra. Ela diz que, desde a infância, amava bonecas e sempre foi iradora por trabalhos artesanais. E os bebês reborn uniram essas duas paixões.

"As bonecas são únicas, totalmente feitas à mão por uma artista, e isso me encantou. Até hoje, minhas tias sobrevivem do artesanato, então achei muito interessante. Comprei a minha primeira boneca e me encantei. Cheguei a ter 36", revela.

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"Berçário"

Michelly de Souza, 39, é uma das fabricantes dessas bonecas em Brasília e dona da loja Michelly Reborn, no Gama, onde cria e comercializa esses "bebês". Nesse universo, as artesãs são chamadas de "cegonhas" e seus estabelecimentos, "maternidades".

Ela conta que é cegonha há 16 anos. "Comecei a produzir os bebês por hobby. Fiz um curso em São Paulo e ei a vendê-los. À época, eu trabalhava com roupas, mas chegou um momento em que as bonecas começaram a dar mais dinheiro", relembra. Os ganhos, portanto, explicam o que a motivou a sair do setor de vestuário e investir na arte de criar bonecas.

  •  ateliê de bebês Reborns Michelly Reborn
    ateliê de bebês Reborns Michelly Reborn Maria Eduarda Lavocat CB/DA Press
  •  ateliê de bebês Reborns Michelly Reborn
    ateliê de bebês Reborns Michelly Reborn Maria Eduarda Lavocat CB/DA Press
  • Fernanda Brandão tem 14 anos e coleciona desde os 6 anos
    Fernanda Brandão tem 14 anos e coleciona desde os 6 anos Maria Eduarda Lavocat CB/DA Press
  •  ateliê de bebês Reborns Michelly Reborn
    ateliê de bebês Reborns Michelly Reborn Maria Eduarda Lavocat CB/DA Press
  • Elisângela SantAnna, designer e fotógrafa, tem 25 bonecas
    Elisângela SantAnna, designer e fotógrafa, tem 25 bonecas Maria Eduarda Lavocat CB/DA Press
  •  ateliê de bebês Reborns Michelly Reborn, Michelly de Souza.
    ateliê de bebês Reborns Michelly Reborn, Michelly de Souza. Maria Eduarda Lavocat CB/DA Press
  •  ateliê de bebês Reborns Michelly Reborn
    ateliê de bebês Reborns Michelly Reborn Maria Eduarda Lavocat CB/DA Press
  • Michelly de Souza: produção artesanal e cheia de detalhes
    Michelly de Souza: produção artesanal e cheia de detalhes Fotos: Maria Eduarda Lavocat CB/DA Press

Delicadeza

O processo de produção das bonecas é extremamente delicado, assim como as peças. Cada camada de pintura do "bebê" é feita à mão e, em seguida, a peça vai ao forno para secar a tinta. Os cabelos são implantados fio a fio, e o enchimento do corpo é colocado com cuidado. Existem diversos modelos: bonecas feitas 100% em silicone, outras em vinil siliconado com partes em tecido, e versões com dispositivos para fazê-las simular piscadelas de olho, mamar, urinar e até respirar.

A estudante Fernanda Brandão também é colecionadora das reborn. Sua primeira foi adquirida na loja de Michelly. "Sempre amei bonecas e pedi uma realista para a minha mãe. Comprei a primeira e gostei tanto que não parei mais. Cheguei a ter oito. Atualmente estou com seis", diz.

A jovem relata que recebeu críticas na escola, mas não se abala. "São invejosos", brinca. Ela afirma que muitos colegas conheceram os bebês reborn por ela, que apresentou a loja de Michelly. "Tem gente que implica, fala que é 'coisa de criança'. Mas eu não acho. Quando era mais nova, eu brincava bastante. Hoje em dia, eu coleciono", ite.

O preço das bonecas varia de R$ 800 a R$ 6 mil. Segundo Michelly, 70% do público que compra em sua loja são crianças. Mas há também muitas mulheres adultas, como colecionadoras, e também profissionais da área da saúde, que utilizam esses brinquedos para ensinar técnicas que se aplicam em recém-nascidos. Outras pessoas também as adquirem para fins terapêuticos, como no caso de idosos com Alzheimer ou mães que perderam filhos.

"Atendi a uma cliente que perdeu um bebê de 1 mês e meio. A filha mais velha dela, de 6 anos, entrou em depressão. A mãe decidiu comprar um boneco reborn menino para servir de consolo, e realmente ajudou muito", relata Michelly.

Apoio

A psicóloga Juliana Gebrim explica que algumas pessoas encontram nos reborn uma forma de equilíbrio emocional, elaboração do luto ou conexão simbólica com experiências como a maternidade ou o desejo de tê-la vivido. "Mulheres que enfrentaram perdas gestacionais, infertilidade, solidão ou quadros de ansiedade podem se beneficiar, simbolicamente, dos reborn. Eles também podem ser usados com idosos em contextos de demência, como recurso de estimulação afetiva e cognitiva", detalha.

De acordo com a profissional, as críticas e os questionamentos sobre a sanidade mental das apreciadoras do produto são infundados. "O comportamento de colecionar ou interagir com bebês reborn, por si só, não configura um distúrbio psicológico. Muitas vezes, trata-se de um hobby, uma forma de expressão emocional ou até uma prática com valor simbólico", ressalta.

Porém, a especialista destaca que, como em qualquer atividade, é importante observar o contexto. "Essa interação não pode substituir, por completo, relações sociais ou compromissos funcionais, como trabalho, autocuidado ou vida familiar. Casos assim podem ser um sinal de sofrimento psíquico subjacente, que merece atenção profissional", esclarece.

postado em 06/05/2025 05:50
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