
Classificadas como a segunda principal causa de incapacidade em todo o mundo, as enxaquecas podem ter um fim com um procedimento cirúrgico. É o que diz estudo recente publicado em julho no periódico An International Journal of Surgical Reconstruction. Segundo o trabalho científico, que acompanhou 93 pacientes que se submeteram ao procedimento por mais de 12 meses, um total de 79 (84,9%) pacientes experimentou redução de pelo menos 50% na enxaqueca.
- Crise de enxaqueca acompanhada de inchaço palpebral não é raro
- Estudo mostra perfil de pacientes com enxaqueca e relação com outras doenças
- Por que tanta gente sofre com crises de enxaqueca? Darwin explica
- Enxaqueca: conheça opções de tratamentos não medicamentosos
“Além disso, esse estudo mostrou que 13 (14%) pacientes relataram eliminação completa da enxaqueca. Outros trabalhos já levantaram números até maiores, com até 40% dos pacientes experimentando eliminação completa da enxaqueca. Quanto ao trabalho recente, uma diferença significativa foi encontrada antes e depois da cirurgia no escore de avaliação de incapacidade para enxaqueca, índice de cefaleia, frequência, duração e intensidade da dor”, explica o cirurgião plástico Paolo Rubez, membro da Sociedade de Cirurgia de Enxaqueca (EUA). O médico é idealizador do Migraine Surgery Academy, que ensina e estimula cirurgiões plásticos de todo mundo a realizarem as cirurgias de enxaqueca a fim de beneficiar mais pacientes com o tratamento.
Foi o que ocorreu com a dona de casa Rosinete Cione da Silva Rodrigues, de 54 anos. Ela enfrentou por 33 anos as crises frequentes e fortes de enxaqueca com aura, quando há alterações na visão, enxergando pontos brancos, flashes de luz, pontos cintilantes e outras alterações, seguida por uma dor de cabeça forte e constante. “Elas me acompanhavam desde os 17 anos. Fiz todo tipo de tratamento e usava medicamentos todos os dias, mesmo assim tinha muitas crises”, diz Rosinete, que fez a cirurgia da enxaqueca há quatro anos. “ei pelo procedimento dia 20 de novembro 2019. A melhora foi de 100% graças a Deus e ao Dr. Paolo, que me devolveu a vida. Fui fazendo o ‘desmame’ dos medicamentos e hoje graças a Deus não tomo mais remédios para enxaqueca; tenho uma vida sem dores e sem medicamentos”, afirma.
Saiba Mais
Resultado a longo prazo
O estudo teve como objetivo monitorar os resultados a longo prazo de pacientes submetidos à cirurgia de enxaqueca e determinar a relação entre dor e anomalias anatômicas. O trabalho fez uma revisão prospectiva de 93 pacientes submetidos à cirurgia para enxaqueca entre 2017 e 2021 e com pelo menos 12 meses de acompanhamento. “Este estudo mostrou que o tratamento cirúrgico é eficaz e o resultado se mantém a longo prazo, com complicações leves e facilmente toleradas pelo paciente”, diz o médico.
Desde que foi criada e desenvolvida, a partir de 2000, pelo cirurgião plástico Bahman Guyuron, em Cleveland, nos EUA, a cirurgia da enxaqueca vem sendo estudada, quantitativa e qualitativamente, ano a ano por diversos especialistas no mundo.
Em junho de 2021, um estudo da Harvard Medical School, publicado no Plastic and Reconstructive Surgery, concluiu que a cirurgia de enxaqueca é associada a melhorias nos sintomas de dor de cabeça e também a uma redução significativa no uso de medicamentos, com dados muito próximos ao do estudo recente.
“O trabalho de 2021 comparou o uso de medicamentos no pré e pós-operatório de pacientes submetidos ao procedimento e constatou que mais de 2/3 deles diminuíram o uso de medicamentos prescritos, sendo que do total de pacientes que aram pelo procedimento, 23% não precisaram mais tomar medicamento algum”, explica Paolo Rubez. Na pesquisa, 96% dos pacientes descreveram tomar medicamentos prescritos para a dor de cabeça. Depois de 12 meses da operação, 68% dos pacientes relataram diminuição do uso de medicamentos prescritos. “Os pacientes relataram uma redução de 67% no número de dias em que tomaram a medicação; além disso, metade dos pacientes relataram que a medicação para enxaqueca, após a cirurgia, os ajudou mais em comparação com o período pré-operatório”, destaca o médico.
Segundo revisão sistemática, publicada em fevereiro de 2022 no Annals Of Surgery com análise de 68 estudos, os resultados são satisfatórios e privilegiam a segurança do procedimento, com baixíssimo índice de complicações e alto grau de satisfação dos pacientes. “Vários estudos dão respaldo à cirurgia que, quando não cessa a dor em definitivo, é responsável por diminuir o uso de remédios e melhorar a intensidade da dor”, explica o cirurgião plástico. “Apesar da disponibilidade de opções de tratamentos conservadores, como medicamentos, os pacientes sofrem de enxaquecas resistentes que estão associadas a uma má qualidade de vida. A cirurgia da enxaqueca, que promove a descompressão de nervos periféricos, é uma estratégia de tratamento relativamente nova, mas altamente respaldada pela ciência, para enxaquecas resistentes”, completa o médico.
Análises qualitativas também foram publicadas. Em 2019, um artigo publicado na Plastic and Reconstructive Surgery, publicação da American Society of Plastics Surgeons, mostrou que a cirurgia de enxaqueca impacta positivamente a vida dos pacientes. “Os pacientes relataram, no estudo, se beneficiar da cirurgia de maneiras que não são capturadas atualmente nas métricas quantitativas. Alguns pacientes chegaram a afirmar, nas entrevistas, que depois da cirurgia voltaram a sentir-se como uma ‘pessoa normal de novo’, tendo em vista as melhorias em um ou mais domínios da dor após a cirurgia e mudanças no uso e eficácia da medicação”, diz Paolo.
Como funciona o procedimento
A cirurgia para enxaqueca garante segurança e eficácia ao agir na descompressão cirúrgica dos nervos periféricos na face, cabeça e pescoço para aliviar os sintomas da enxaqueca. “A cirurgia é pouco invasiva e tem o objetivo de descomprimir e liberar os ramos dos nervos trigêmeo e occipital envolvidos nos pontos de dor. Os ramos periféricos destes nervos, responsáveis pela sensibilidade da face, pescoço e couro cabeludo, podem sofrer compressões das estruturas ao seu redor, como músculos, vasos, ossos e fáscias. Isto gera a liberação de substâncias (neurotoxinas) que desencadeiam uma cascata de eventos responsável pela inflamação dos nervos e membranas ao redor do cérebro, que irão causar os sintomas de dor intensa, náuseas, vômitos e sensibilidade à luz e ao som”, diz Paolo.
As cirurgias para enxaqueca podem ser de sete tipos principais nas seguintes regiões: frontal, rinogênico, temporal e occipital (nuca). Segundo Paolo Rubez, para cada um dos tipos de dor existe um o diferente para tratar os ramos dos nervos, sendo todos nas áreas superficiais da face ou couro cabeludo, ou ainda na cavidade nasal. O médico explica que cada cirurgia foi desenvolvida para gerar a menor alteração possível na fisiologia local.
“Em todos estes tipos, o princípio é o mesmo: descomprimir e liberar os ramos dos nervos trigêmeo ou occipital, que são irritados pelas estruturas adjacentes ao longo de seu trajeto”. A cirurgia pode ser feita em qualquer paciente que tenha diagnóstico de migrânea (enxaqueca) feito por um neurologista, e que sofra com duas ou mais crises severas de dor por mês que não consigam ser controladas por medicações; ou em pacientes que sofram com efeitos colaterais das medicações para dor ou que tenham intolerância a elas; ou ainda em pacientes que desejam realizar o procedimento devido ao grande comprometimento que as dores causam em sua vida pessoal e profissional.
Paolo Rubez enfatiza que as cirurgias são em ambiente hospitalar e sob anestesia geral e em alguns casos sob anestesia local. “A duração da cirurgia, para cada nervo, é de cerca de uma a duas horas, e o paciente tem alta no mesmo dia para casa”.
Saiba Mais
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:


Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail [email protected]