
Por Anna Oliveira* — O magistrado da 2ª Vara Federal de Vitória da Conquista (BA) exarou um posicionamento de grande relevância para os servidores públicos em geral e, em especial, para aqueles que necessitam cuidar de dependentes com deficiência.
O caso envolveu um perito médico federal que pleiteou a remoção de sua lotação original, situada a cerca de duas horas de distância de sua residência, para uma unidade mais próxima do domicílio familiar.
A justificativa central foi a necessidade de prestar cuidados à sua filha, portadora da síndrome de Down, que depende de atenção constante de ambos os genitores. A sentença fundamentou-se no art. 36, III, "b", da Lei nº 8.112/1990, que estabelece o direito subjetivo à remoção para outra localidade, independentemente do interesse da istração, quando comprovado que a saúde do dependente exige e próximo e efetivo do servidor.
Embora a istração não tenha encaminhado a filha do autor à devida perícia oficial para confirmação da necessidade, o Juízo supriu essa omissão por meio de perícia médica judicial. O laudo final concluiu, de forma inequívoca, que a menor requer acompanhamento permanente e recomendou a remoção pretendida.
O Juiz Federal, ao apreciar a prova, reiterou que, preenchidos os requisitos previstos em lei, a remoção não é um favor concedido pela istração, mas um direito reconhecido em razão de valores constitucionalmente protegidos, como a proteção à família e a promoção da dignidade das pessoas com deficiência.
Além do deferimento da remoção, o Juízo concedeu horário especial ao autor, com base no art. 98, § 3º, da Lei nº 8.112/1990, entendimento que amplia essa prerrogativa também ao servidor que possua cônjuge, filho ou dependente com deficiência. Ficou expressamente demonstrado nos autos que a filha precisava de acompanhamento frequente em terapias multidisciplinares, consultas médicas e atividades de apoio pedagógico, de modo que a presença do pai durante parte substancial do dia mostrava-se indispensável.
A sentença é exemplar ao demonstrar que, diante de situações em que há forte conflito entre a necessidade individual do servidor e a conveniência istrativa, deve-se priorizar o direito à saúde e o melhor interesse da criança com deficiência. O magistrado sublinhou que a deficiência da menor, aliada à comprovação de que o servidor e sua esposa são os únicos com plenas condições de fornecer e integral, inviabiliza qualquer argumento istrativo que se oponha ao direito de remoção.
Do ponto de vista prático, esse precedente agrega valor não apenas para servidores em situação semelhante, mas para toda a coletividade istrativa. Ele reafirma que o Estado tem o dever de prestigiar a unidade familiar e a dignidade da pessoa humana, impondo às autoridades competentes a adoção de medidas céleres e eficazes quando estiverem em jogo direitos fundamentais. Impedir injustamente a aproximação de um pai ao seu filho com deficiência, em razão de motivos burocráticos ou do mero interesse da istração, viola princípios constitucionais basilares.
Em suma, o julgamento em questão não deixa dúvidas: uma vez demonstrada a condição de saúde do dependente e a necessidade concreta de cuidados, o servidor público tem direito incontestável à remoção e ao horário especial, independentemente de entraves ou demoras istrativas.
Trata-se de um verdadeiro marco, pois reforça a compreensão de que políticas públicas e a gestão de recursos humanos no serviço público devem, acima de tudo, adequar-se à realidade dos casos em que há vulnerabilidade social e familiar, assegurando o bem-estar das pessoas com deficiência e respeitando a prioridade absoluta que lhes é conferida por lei.
*Sócia do Liporaci Advogados
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