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MÚSICA

Sociólogo lança novo olhar sobre a carreira do Rei Roberto Carlos

Livro de Marcos Henrique Amaral sobre a trajetória do cantor e compositor mostra porque o desprezado ídolo da Jovem Guarda ganhou a ''carteirinha'' da MPB

Naum Giló
postado em 02/01/2022 12:45
 (crédito: Leandro Couri/EM/D.A Press)
(crédito: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Não é comum biografias de grandes artistas se aprofundarem nos aspectos sociais que atravessaram a vida do biografado. O que se cria é a ideia de que todas as escolhas do personagem central foram orientadas em razão do objetivo do sucesso, resultando em crônicas com pouco potencial explicativo.

Em “A simplicidade de um rei: trânsitos de Roberto Carlos em meio à cultura popular de massa”, de autoria do sociólogo Marcos Henrique Amaral, a carreira do Rei serve como ponto de partida para a compreensão de processos sócio-históricos, como a notável expansão daquilo que na sociologia pode ser chamado de “indústria cultural” em um país que buscava (e ainda busca) definir uma identidade para a música brasileira. O livro é resultado do trabalho de mestrado de Amaral na Universidade de Brasília (UnB), defendido em 2012.

DOUTOR EM JORGE BEN

O autor é professor de sociologia, pesquisador do grupo Cultura, Memória e Desenvolvimento e doutor em sociologia pela UnB. Seus estudos têm como eixo orientador as relações entre cultura popular, memória e economia. Em 2020, ele defendeu a tese de doutorado “Jorge Ben, tradutor do Brasil”.

Segundo o autor, o livro tenta mostrar como o Rei conseguiu se manter em um lugar de consagração depois de décadas, ao o que outros símbolos da Jovem Guarda caíram no esquecimento ou não recebem tantos holofotes quanto ele.

Amaral adianta que a disputa entre a MPB, representada nos anos 1960 pelo programa “O fino da bossa”, e o iê-iê-iê, beneficiou os dois lados, mas a Jovem Guarda, cujo programa era concorrente direto daquele comandado por Elis Regina e Jair Rodrigues, nunca ganhou o páreo.

“Naquela época, a indústria começava a pensar no público jovem, que antes da bossa nova simplesmente não existia. Em meio à competição entre Jovem Guarda e MPB, a primeira foi a que melhor conseguiu atingir esse novo público”, analisa Marcos.

De um lado, jovens exploravam o rock, gênero importado do exterior, tido como de menor qualidade e pejorativamente chamado de “popularesco” pela intelectualidade. A guitarra elétrica era desprezada pela MPB, que tinha a ideia de cultura popular oriunda de um ado imaculado, de ritmos tradicionais brasileiros, o chamado “folclorismo”.

O autor fala de um elitismo denominado como “etnocentrismo de classe” por parte dos adeptos da MPB. “Roberto Carlos é um dos músicos mais regravados e que mais arrecadam direitos autorais. Como ele não é reconhecido na história da música nacional como os cânones da MPB são, sendo que ele vendeu tanto?”, questiona o sociólogo.

Segundo Amaral, o período em questão foi marcado por uma cultura de massa ainda incipiente, com a chegada do rádio de maneira significativa aos lares brasileiros e o crescimento da televisão. “Existe uma relação simbiótica entre a trajetória de Roberto Carlos e a cultura de massa em expansão naquele país que ava por um intenso processo de urbanização”, assinala o autor.

ROBERTO E CAETANO

Saltando para os anos 1990, Marcos Amaral destaca a abolição do caráter político da música, quando entra em ação a máxima “arte pela arte”, momento que Roberto Carlos ganha a “carteirinha da MPB”, movimento em que nunca foi inserido, mas com o qual sempre dialogou.

“Quando Caetano grava e revela a história da música 'Debaixo dos caracóis dos seus cabelos', canção que demonstra empatia com o exílio do baiano durante a ditadura, Roberto Carlos ganha capital simbólico”, aponta o sociólogo.

 

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