MODA

Met Gala reverencia a alfaiataria negra no tema do baile deste ano

O tapete mais importante do universo fashion escolheu tema que ajuda a entender a formação cultural americana. Correio conversou com produtores de moda brasileiros sobre o tema

Pedro Batalha e Hisan Silva, fundadores e estilistas da grife Dendezeiro -  (crédito: Acervo pessoal )
Pedro Batalha e Hisan Silva, fundadores e estilistas da grife Dendezeiro - (crédito: Acervo pessoal )

A diáspora preta na história da moda será celebrada no dia 5 de maio com o Baile do Met. O tapete vermelho mais importante do universo fashion, o Met Gala, há décadas marca a parceria entre a revista Vogue e o Metropolitan Museum of Art, onde a festa de gala dá início à exposição anual do museu. Ao longo dos anos, os temas escolhidos ganharam proporções maiores, com celebridades cada vez mais comprometidas com a mensagem por trás de cada convite.

Em 2025, Anna Wintour e a alta curadoria do museu escolheram como dress code a alfaiataria negra dos séculos 18 e 19, a primeira exposição focada em moda masculina desde 2003, com o Men in Skirts

O título da noite, Superfine: Tailoring Black Style, nasce a partir do livro Slaves to Fashion, da autora e professora de Estudos Africanos na Columbia University, Monica Miller. A obra de Miller tem como objetivo explicar o dandismo negro e os fatores socioculturais que cunharam o termo.

Distante do linguajar cotidiano, o dandismo é um conceito acadêmico que se refere a um movimento cultural forte no universo da moda, especialmente no período pós-abolição da escravatura. A alfaiataria usada por homens negros na época reivindicava bom gosto, a opulência e a excelência na costura dos ternos como símbolo de pertencimento social.

“Estilo impecável, de alfaiataria, no vestir-se do homem negro para ressignificar o próprio existir — do jeitinho que os brancos fazem ou faziam. Moda preta masculina”, define o portal Primeiros Negros.

Como a moda brasileira interpreta o tema 

Um dos fundadores e estilistas da grife Dendezeiro, Hisan Silva, destacou em entrevista a importância de instituições como o Metropolitan Museum e a Vogue reconhecerem as produções de pessoas pretas como parte fundamental da história da moda. Ao lado do sócio Pedro Batalha, Hisan desenvolveu a marca com o propósito de incorporar a brasilidade como elemento estético e ético.

A Dendezeiro, que já ocupava um espaço promissor entre os amantes da moda, furou a bolha nos veículos de notícia após viralizar com uma coleção em protesto aos uniformes dos atletas brasileiros nas Olimpíadas. O protesto se deu contra os trajes oficiais — produzidos pela Riachuelo — que, segundo críticas nas redes sociais, remetiam mais a vestimentas evangélicas do que à cultura e tradição brasileira.

O baile, além de ter como anfitriã Anna Wintour, conta com alguns co-anfitriões que colaboram com as marcas de alto luxo para desenvolver o tema a partir das roupas exibidas na icônica escadaria do Met. Neste ano, os convidados para ocupar essa posição são: o ator Colman Domingo, Pharrell Williams (cantor e atual diretor criativo da Louis Vuitton), Lewis Hamilton e A$AP Rocky — todos homens negros reconhecidos por seu estilo singular e expressivo. Sobre isso, Hisan ressalta: “Estamos vendo progressivamente mais pessoas pretas ocupando as arelas e também os bailes do Met. Vejo que, com isso, mais homens têm se arriscado nos trajes, indo para novos lugares.”

“Não acho que a Anna Wintour esteja ‘descobrindo’ isso agora. Ela sempre teve o. O ponto é outro: agora estamos assinando nossas próprias criações e ganhando o spotlight por isso. Isso é o que muda o jogo. O Virgil (primeiro homem negro a assumir a direção criativa da Louis Vuitton)  foi uma virada de chave. Ele mostrou que era excelente, que sua pesquisa e visão eram únicas. Ele conseguiu conectar luxo e rua — e isso mudou tudo”, diz o estilista. 

O designer parte de dois pontos ambivalentes: de um lado, compreender a produção da moda preta é fundamental para conhecermos a história de uma nação como o Brasil. Por outro, avaliar toda e qualquer criação não branca apenas sob as lentes do exótico, do novo ou do streetwear é reduzir o trabalho dessas pessoas — “colocando-as em uma caixinha”, como explica Hisan.

Ele destaca que o movimento de artistas da soul music brasileira, no período pós-ditadura militar, deu origem a uma nova forma de vestir — refletida também nas comunidades que se expressavam nos bailes e festas. Diante disso, observar a evolução de penteados populares, como o black power dos anos 1980 até os cortes “na régua” de hoje, revelam a trajetória, preferências e transformações socioculturais e econômicas de um povo.

O jornalista e crítico de moda Rener Oliveira ressalta a importância do tema por outras lentes. A evolução do mercado de consumo e o sistema patriarcal aliado a uma lógica vil e prática despiu a masculinidade de adornos. “Os homens foram perdendo essa capacidade do ornamento histórico, dando lugar a um espaço mais minimalista, funcional e operacional. O guarda-roupa masculino ficou a essa função única do vestir engessado — vestir apenas pela função — e não mais como forma de ornamento ou liberdade de expressão”, afirma.

*Estagiário sob a supervisão de Nahima Maciel

 



postado em 24/04/2025 11:36 / atualizado em 24/04/2025 15:50
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