
Vicente Sá já tinha 40 anos de poesia quando escreveu uma crônica pela primeira vez. Foi em 2017, e o poeta ficou animado com a possibilidade de publicar textos no Facebook. Decidiu então que brindaria a cidade com pequenas pílulas semanais, publicadas aos domingos de manhã. E assim começou a incursão pelo mundo da crônica. Deu tão certo que Vicente nunca falhou. Escreveu mais de 400 textos até morrer, em janeiro de 2025. E foi como uma forma de não deixar esses escritos ficarem esquecidos no mundo da web que Lúcia Leão, viúva de Vicente, decidiu publicá-los em livros. O primeiro volume de Bom domingo! 101 crônicas de Vicente Sá sai agora com uma seleção feita, sobretudo, guiada pela intuição. O lançamento será hoje, às 19h, no Beirute da Asa Sul.
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Lúcia conta que até tentou reunir os textos de Vicente por temática ou ensaiou estabelecer critérios racionais, mas não conseguiu. "Comecei tentando botar algum critério. Humor, por exemplo. Mas não deu nada certo, porque ele mistura tudo. Algumas crônicas são muito bem humoradas, mas misturadas com histórias reais, lembranças, então não tinha como separar", conta Lúcia. "Aí, comecei a usar um critério bem pessoal, quase intuitivo. Às vezes, até sorteava. Era uma forma de eliminar, porque, senão, selecionava todas. Mas acho que o resultado ficou bacana." A ideia inicial era incluir 110 textos, mas o volume ficaria muito grande, então Lúcia decidiu dividir em dois volumes. O segundo deve ser publicado até o fim deste ano.
Vicente Sá madrugava, todo domingo, para postar as crônicas no Facebook. Gostava que estivessem no ar antes das 7h. "Era uma coisa que nem ir à missa, ele madrugava para publicar", conta Lúcia. "Começou em dezembro. Ele tinha feito uma crônica que é um híbrido de poesia e prosa. Gostou da brincadeira e, no segundo domingo de janeiro, começou a publicar e se impôs uma rotina, um compromisso mesmo. Às vezes, ele acordava só para publicar e voltava a dormir. Ele foi criando uma rotina."
A Asa Norte era o tema recorrente do cronista. Nos textos, ele imaginava conversas e levava a narrativa para um misto de ficção e realidade muito baseada na própria biografia. "São sonhos, delírios mesmo, ele conversa com bicho, com planta. É sempre uma coisa muito humanística e filosófica. Para mim, era surpreendente, porque, às vezes, ele escrevia em 10 minutos. E fazia reflexões muito profundas", garante Lúcia.
Três personagens inevitáveis percorriam as histórias de Vicente: o Filósofo da Asa Norte (Fan), a tia Walkíria e o Teacher, que ele usava para fazer os diálogos e inventar as histórias. "O corpo das crônicas foi baseado nesses três personagens. Eram os grandes parceiros nessa construção. Ele tirava as histórias da vivência dele nos botecos da Asa Norte. Podia até ter alguma inspiração em algum amigo, mas não que se identificasse. Era a válvula de escape para a ficção. Para transformar o fato do cotidiano numa ficção", explica o poeta e amigo José Sóter, que ajudou a editar Bom domingo!.
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Para Lúcia, as crônicas traduzem muito a personalidade de Vicente. "A essência dele era de poeta, mas a gente o reconhece nas crônicas. Inclusive, a primeira que escreveu é híbrida, meio crônica e meio poesia. E se reconhece o poeta o tempo todo. Lá pelo meio, aparece uma frase ritmada, meio rimada, com poesia. Ele tinha uma visão, um olhar poético sobre tudo que escrevia", analisa.
Lúcia brinca que Vicente guardava a prosa para o bar até descobrir a crônica. Mas ele escreveu também dois romances — Aldenus Baxter: uma história que talvez tenha acontecido e Diário de Anes —, além de três livros infantis. "Quando tomou gosto, fez o primeiro romance e o segundo. São sempre histórias ambientadas em Brasília, e tem sempre uma coisa meio autobiográfica, mas uma biografia delirante. E isso também é uma marca nas crônica", avisa.
Para ilustrar as crônicas, Vicente contava com a habilidade e o talento do neto Guilherme Leão, um menino que, aos 10 anos, já produzia os desenhos que acompanhavam os escritos do avô. É dele a ilustração da capa de Bom domingo!, uma ideia do publicitário Alex Silva, responsável pelo design gráfico do livro."Eu tinha que representar toda a criatividade do Vicente ao escrever no projeto gráfico. Não sei se cheguei no talento dele, mas acho que deu para acompanhar um pouco a grandeza do texto dele", diz Alex.
Bom domingo! 101 crônicas de Vicente Sá — Vol. 1
De Vicente Sá. Semim
Edições, 176 páginas. R$ 70. Lançamento hoje, às 19h, no Bar Beirute da Asa Sul
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