
A China, principal motor da economia global, está em processo de desaceleração, o que vem deixando o mundo em alerta. Especialistas observam que, depois de décadas de fortes investimentos e expansão acelerada, o país asiático atravessa um momento de mudança do modelo econômico e não continuará crescendo como antes, o que deve limitar o potencial de alta da economia mundial. O Brasil, que tem no país asiático o principal destino de suas exportações, também deve sofrer diretamente os efeitos do ajuste na economia chinesa.
Conforme dados do governo chinês, após avançar 4,8% nos primeiros três meses do ano, o Produto Interno Bruto (PIB) do país cresceu 0,4% no segundo trimestre, abaixo das estimativas (de 1%), devido aos bloqueios generalizados para conter os casos recordes da covid-19, que afetaram o comércio e a produção. Havia grande expectativa em relação aos dados do PIB do terceiro trimestre, que seriam divulgados em meio ao congresso do Partido Comunista Chinês (PCC). Contudo, o anúncio foi adiado para amanhã, após o encerramento do evento. O PCC ampliou os poderes do presidente Xi Jinping e concordou em conferir a ele um terceiro mandato, o que o tornará o mais longevo dirigente desde Mao Tsé Tung, que governou o país por 27 anos, de 1949 a 1976.
O adiamento dos dados do PIB deixou no ar dúvidas sobre o desempenho do trimestre entre analistas. "Socialismo de mercado é isso. O que é bom, mostra. O que é ruim, esconde", ironiza Julio Hegedus, economista-chefe da Mirae Asset. "O governo chinês também adiou outros indicadores que deveriam sair durante o encontro do PCC", acrescenta.
As projeções do Banco Central da China são de avanços de 4,6% no PIB do terceiro trimestre, e de 4% no PIB anual. Mas o mercado está mais pessimista. De acordo com Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, o consenso das previsões dos analistas é de avanço de 3,5% no terceiro trimestre, porque o período de lockdown mais agudo já ou. "Mas, daqui para frente, a China deve crescer menos. Isso vai desacelerar o consumo global, porque om país é um dos maiores importadores mundiais", frisa.
Pelas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), o PIB da China deverá crescer 3,2% neste ano, mesma taxa estimada para a média do avanço do PIB global. As previsões do fundo para a economia chinesa indicam expansão inferior a 5%, pelo menos, até 2027. A título de comparação, na última década, a taxa média de crescimento anual do PIB chinês foi de 6,6%, conforme dados da Embaixada do país no Brasil.
Na avaliação de Larissa Wachholz, sócia da Vallya e especialista sênior de Ásia do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), a China está crescendo menos devido a uma série de medidas que o governo chinês considera importantes e prioritárias.
"Ao longo de quatro décadas, o país teve um crescimento acelerado e, agora, numa escolha deliberada, o governo chinês optou por repensar o modelo de crescimento e torná-lo mais voltado para o consumo", destaca. "Não podemos nos surpreender porque a China está crescendo menos. É isso que ela pretende fazer, porque, do ponto de vista das autoridades chinesas, o crescimento precisa ser sustentado por dois pilares: o combate à desigualdade social e o desenvolvimento sustentável do ponto de vista ambiental", afirma a especialista. "O país está empenhado em investir na geração de energias renováveis e mudar a matriz energética. E colocou as máquinas estatais e privadas em prol do objetivo de neutralizar as emissões até 2060".
Mas as preocupações dos especialistas vão além da economia. "A China a por vários desafios. Há uma centralização política autoritária preocupante e a asfixia de setores que geraram mais crescimento no ado, especialmente a construção. Além disso, há sanções comerciais agressivas dos EUA na área de chips, o que dificultará a produção, pelo menos no próximo ano. Sem contar a questão geopolítica negativa da aproximação com a Rússia e os riscos crescentes de invasão militar de Taiwan. É uma China que precisa crescer via produtividade, mas está cada vez mais aumentando a presença do Estado na economia", afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Para Vale, uma preocupação adicional é o fato de o crescimento chinês perder fôlego quando o país ainda não atingiu um nível elevado de renda per capita. "Os próximos 10 anos serão decisivos para os chineses, política e economicamente", avalia.
De acordo com o economista Simão Davi Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP), a mudança no modelo econômico da China era esperado, mas o país ainda deve sofrer os impactos das barreiras comerciais levantadas pelos Estados Unidos, que impôs 30% de tarifas para os itens importados do gigante asiático. "A China crescendo menos é o novo normal. Não dava para continuar crescendo eternamente como antes e, para fazer um soft landing, o novo modelo está calcado, principalmente, no consumo, que foi bastante reprimido no ado", destaca.
Reserva de US$ 3 trilhões
Apesar da preocupação de analistas com a desaceleração do dragão chinês, Li Qui, ministro conselheiro da Embaixada da China no Brasil, demonstra otimismo com a economia do país asiático e destaca que, apesar do menor crescimento, o governo dispõe de muitos instrumentos de política macroeconômica, além de US$ 3 trilhões de reservas em moeda estrangeira. "Temos uma base sólida e instrumentos macroeconômicos suficientes para combater qualquer turbulência financeira", declara.
Segundo ele, o governo chinês estará focado em investir mais em setores com maior valor agregado, com tecnologias mais avançadas, como carros elétricos, e a economia digital. "Temos munição para combater qualquer risco. Estamos otimistas ante as novas oportunidades, e avançando bem", afirma Li, que destaca o enorme exército de consumidores da classe média em ascensão. "Temos 400 milhões de pessoas, atualmente e, até 2035, outros 400 milhões serão adicionados a essa faixa de renda."
Reinaldo Ma, sócio consultor da BMJ Consultores Associados, também prefere ver o copo meio cheio da conjuntura atual. "A China atravessa um período de como de espera para definir novas posições do partido. O PIB em desaceleração pode assustar um pouco, mas, de forma geral, os números continuam bons e o impacto da diminuição do ritmo de expansão pode não ser tão ruim, porque o país asiático continuará crescendo e sendo um parceiro comercial importante para o Brasil", completa.
Desafios
Analistas notam, ainda o momento é de desaceleração econômica global, devido à persistência inflacionária que está levando os bancos centrais dos países desenvolvidos a aumentarem os juros — um freio para a atividade econômica — e à guerra da Ucrânia, que pressiona os custos da energia.
Diante desse cenário desafiador, a cautela dos governos precisa ser redobrada. "Não sou muito otimista com o crescimento chinês daqui para frente. A política de tolerância zero com a covid-19, a bolha do mercado imobiliário e a volta da economia para algo mais próximo do comunismo do que do capitalismo são fatores que contribuem para esse cenário de desaceleração", ressalta Luis Otavio Souza Leal, economista-chefe do Banco Alfa.
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