
A proposta de reforma do setor elétrico, entregue pelo Ministério de Minas e Energia (MME) à Casa Civil, nesta semana, prevê um corte de benefícios concedidos para consumidores de energia solar e para bancar a ampliação da tarifa social de energia, de modo a reduzir as contas de até 60 milhões de pessoas, de acordo com o titular do MME, Alexandre Silveira.
O projeto seguirá para o Congresso Nacional, o desconto em encargos para baixa renda vai custar R$ 4,5 bilhões por ano, valor que será pago por meio da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). O encargo, que está embutido nas contas de luz, financia políticas de energia elétrica no Brasil, custeando uma série de subsídios para diferentes setores e áreas de infraestrutura.
A pasta está propondo reduzir os descontos pelo uso do fio para novos contratos de energia incentivada, o que hoje beneficia grandes indústrias e geradores renováveis. Isso reduziria a CDE em R$ 10 bilhões, possibilitando a ampliação da tarifa social. O ministro Alexandre Silveira frisou que a essência da proposta é reequilibrar esses subsídios, dando mais equilíbrio para o setor, mas também compensar os custos da ampliação do benefício social, que não prevê o uso de recursos do Tesouro Nacional.
De acordo com o projeto, quem recebe o desconto atualmente, continuará tendo direito ao benefício. No entanto, o objetivo é acabar com os subsídios gradualmente, conforme os contratos firmados pelas geradoras com os consumidores forem encerrados. "Há muita injustiça nas tarifas de energia elétrica. Hoje, o consumidor comum, que paga suas contas com dificuldade, financia o sustento de poucos altamente organizados. Necessitamos racionalizar os custos do setor, endereçar as injustiças na composição da tarifa", disse Silveira.
Atualmente, o programa Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE) beneficia 17,4 milhões de famílias de baixa renda, inscritas no Cadastro Único (CadÚnico). Pelo projeto, famílias que consomem até 80 kWh (quilowatt-hora) por mês terão isenção total da conta de luz. Já as que ultraarem esse limite pagarão apenas pela diferença.
Estima-se que 4,5 milhões de lares terão fatura integralmente zerada, enquanto outros 21 milhões receberão descontos tarifários ao serem isentos da cobrança da CDE. O custo dessa ampliação será rateado entre os consumidores regulados, com um acréscimo estimado de 1,5% nas tarifas.
Ime político
O ministro de Minas e Energia falou, pela primeira vez, sobre a ampliação da tarifa social, na semana ada, durante o Fórum Brasileiro de Líderes em Energia Elétrica 2025, evento realizado por empresários do setor no Rio de Janeiro. Ao anunciar os planos da pasta, Silveira, contudo, recebeu uma negativa de Brasília do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que afirmou que não havia qualquer tratativa sobre o tema com a equipe econômica.
Silveira minimizou o ruído, que classificou como uma "falha de comunicação". No entanto, interlocutores acreditam que não há clima no governo para o avanço da proposta. Parlamentares também veem dificuldades no projeto. A ideia levantou uma preocupação geral com sua tramitação da matéria no Congresso, especialmente, com a possibilidade de que o texto acabe sendo desfigurado pela inserção de emendas "jabutis" — jargão do Legislativo para trechos que pegam carona no projeto original sem relação direta com a pauta —, como costuma ocorrer em projetos do setor.
Com ampla experiência na relatoria de projetos do setor elétrico, o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) avaliou que o governo precisa enviar uma reforma fatiada. "Será que este governo tem articulação política, tem base constituída para poder fazer uma reforma do setor elétrico? Tem que ser fatiada. Se nós ficarmos esperando uma proposta global de reforma, acho que não andaremos", disse.
A percepção geral do mercado sobre o projeto foi positiva, mas pode ser vista com certa cautela pela indústria de renováveis, que teme potencial aumento de custos e prejuízo à sua competitividade.
Abertura do mercado
Além do foco social, a reforma também altera as regras de funcionamento do mercado de energia ao prever a abertura gradual do mercado livre para consumidores de baixa tensão. Também conhecido como Ambiente de Contratação Livre (ACL), o mercado é um ambiente de negociação onde consumidores e fornecedores podem acordar livremente as condições comerciais de compra e venda de energia elétrica. Atualmente, apenas grandes consumidores têm esse direito.
O projeto prevê que, a partir de 2027, empresas de médio porte poderão escolher seu fornecedor de energia, e, em 2028, essa opção será estendida aos consumidores residenciais. A Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) estima que a migração do mercado regulado — maneira tradicional onde os consumidores compram energia exclusivamente da distribuidora local — para o mercado livre pode baratear as contas de energia em torno de 30%.
"É muito importante para esse projeto o gesto que o ministro fez ao tornar pública a proposta que foi apresentada à Casa Civil pelo Ministério de Minas e Energia. Envolver o setor nesse debate e a sociedade em geral é muito relevante", comentou o presidente executivo da Abraceel, Rodrigo Ferreira. "A proposta apresentada equaliza direitos no setor elétrico e na sociedade em geral. Qual a justificativa para, por exemplo, apenas uma parte da indústria ter o ao mercado livre?", indagou.
Segundo ele, o mercado livre é capaz de criar um ambiente mais democrático, moderno e competitivo a todos os consumidores que recebem o direito de comprar energia nesse ambiente. "Além do potencial de reduzir custos com energia na ordem de 30%, o mercado livre oferece produtos diferenciados de energia, flexibilidade e empoderar o consumidor", disse.
Ferreira avaliou, ainda, que a equalização de direitos é um ponto muito importante desse projeto. "É uma visão de deixar todos os consumidores em pé de igualdade, e isso é muito importante, pois isso é justiça tarifária. O setor elétrico é repleto de desigualdades e essas desigualdades setoriais afetam a desigualdade social do país como um todo. É um momento para corrigir isso", apontou.
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