
Um novo relatório do banco de desenvolvimento da América Latina e Caribe (CAF) destaca os complexos desafios enfrentados pelos governos subnacionais na região, com foco especial no Brasil. Intitulado “Soluções Próximas: O papel dos governos locais e regionais na América Latina e no Caribe”, o estudo será apresentado oficialmente nesta quarta-feira (7/5) e reúne dados inéditos sobre mais de 18 mil istrações locais em toda a região.
No caso brasileiro, o relatório retrata um cenário ambivalente: de um lado, a descentralização das últimas décadas ampliou a autonomia e as responsabilidades de estados e municípios em áreas cruciais como educação, saúde, segurança pública, infraestrutura e saneamento. De outro, persistem entraves fiscais, istrativos e técnicos que comprometem a eficiência e a qualidade da gestão pública local.
Um dos pontos centrais do estudo é o desafio fiscal enfrentado por estados e municípios. A descentralização acelerada após a Constituição de 1988 resultou em um aumento expressivo da dívida subnacional, que chegou a 20% do PIB em 2002, forçando o governo federal a intervir e levando à criação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em 2000. Embora a LRF tenha contribuído para estabilizar o cenário, a dependência de transferências da União permanece alta, muitas vezes com critérios pouco previsíveis, o que dificulta o planejamento de longo prazo.
Além disso, o relatório aponta que arrecadação própria, ainda que limitada, está associada a maior eficiência no uso dos recursos públicos. No entanto, obstáculos como a complexidade tributária e a evasão fiscal ainda limitam o potencial de arrecadação nos níveis locais.
Burocracia
A qualidade da burocracia subnacional também é motivo de preocupação. O estudo mostra evidências consistentes de que prefeituras brasileiras sofrem com alta rotatividade de pessoal nos anos eleitorais, revelando o uso político de cargos públicos. Essa instabilidade prejudica a continuidade istrativa e a entrega de serviços essenciais.
Além disso, grupos historicamente marginalizados, como a população afrodescendente, seguem sub-representados nos quadros do setor público, especialmente em posições de liderança. Mesmo com a existência de concursos públicos e normas que prezam pelo mérito, desigualdades salariais e práticas discricionárias ainda são uma realidade em muitas regiões.
Embora boa parte do investimento público no Brasil seja executado por governos subnacionais, o relatório observa que a qualidade desses investimentos é, em geral, inferior aos realizados pelo governo federal. A fragmentação das responsabilidades, a baixa capacidade técnica local e a ausência de diretrizes claras comprometem os resultados.
O documento destaca ainda avanços recentes, como o uso de títulos verdes e sociais para financiar projetos ambientais e sociais, e a criação de planos nacionais de investimento, mas ressalta que a coordenação entre esferas de governo ainda é frágil.
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O estudo também aponta que a transformação digital avança de forma desigual no país. Enquanto grandes municípios investem em centros de controle operacional e integração de dados — como o COR, no Rio de Janeiro —, cidades menores enfrentam dificuldades estruturais, como a ausência de equipes de TI e baixa informatização de cadastros imobiliários. A digitalização, segundo o relatório, é muitas vezes inibida por fatores políticos, como o receio de perda de controle sobre a arrecadação fiscal.
Desigualdade
Por fim, o relatório chama atenção para as grandes desigualdades territoriais dentro do Brasil. Regiões como a Amazônia sofrem com o limitado a serviços básicos, como saneamento, evidenciando a necessidade de políticas públicas mais equitativas e adaptadas à diversidade geográfica e socioeconômica do país.
Com o relatório, o banco busca não apenas diagnosticar problemas, mas contribuir para soluções que aproximem o Estado das necessidades reais da população. Segundo o economista do CAF, Guillermo Alves, os dados são escassos, as informações são assistemáticas, e foi isso que nos motivou a realizar este relatório: “aprender sobre esses governos e, acima de tudo, identificar como eles podem ser fortalecidos em nível subnacional. Estruturamos a apresentação nessas três áreas”, disse.