Oferta de creche em universidades pode se tornar critério de avaliação do Sinaes
Possibilidade é validada com avanço de PL no Senado Federal. Entre as 10 instituições de ensino superior brasileiras com espaço físico para filhos de estudantes e trabalhadores vinculados, está a Universidade de Brasília
postado em 06/04/2025 06:00 / atualizado em 07/04/2025 16:33
A creche da UnB é o principal e de Amanda Souza, 21 anos, onde pode deixar seu filho, Jorge, para continuar a graduação - (crédito: Ed Alves CB/DA Press)
A Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado Federal aprovou o Projeto de Lei (PL) 1.062/2022, do ex-senador Rodrigo Cunha (Podemos-AL) que torna a presença de creches nas universidades brasileiras um dos critérios do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes). Três anos após a protocolação, o PL está, agora, aguardando designação de relator na Comissão de Educação e Cultura (CE).
Rodrigo Cunha, que deixou a Casa em dezembro de 2024 para se tornar vice-prefeito de Maceió, reforça a importância do projeto em contexto de falta de vagas em creches públicas no Brasil. Segundo levantamento do Ministério da Educação (MEC), há 632 mil registros de crianças em fila de espera para creche e 2.445 municípios (44%) com fila de espera nessa etapa, sendo 88% por falta de vagas. “Conseguir lugar em uma creche significa muito, representa cuidado profissional e especializado com crianças na primeira infância e uma oportunidade para que pais, e principalmente mães, tenham tempo para estudar e trabalhar”, expõe.
A medida ajuda, principalmente, mães a conciliarem estudos e trabalho com a criação dos filhos: “Universidades e institutos federais que possuem creches para filhos de estudantes e funcionários ganhariam melhor avaliação entre os itens do Sinaes, ampliando a possibilidade e receberem mais recursos e preencherem essa lacuna que existe no sistema federal superior de ensino, que prejudica, principalmente, o público feminino”, destaca Rodrigo.
Ex-senador Rodrigo Cunha (Podemos-AL): autor do projeto
(foto: Waldemir Barreto/Agência Senado)
Instituições de ensino
Atualmente, no Brasil, do total de 69 universidades federais, apenas 10 disponibilizam espaços de creche físicos. Segundo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), são elas: Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal de Goiás (UFG), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade Federal do Norte do Tocantins (UFNT), Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Alagoas (Ufal) e Universidade de Brasília (UnB)
Na UnB, o Centro de Educação Infantil (CEI), instalado no câmpus Darcy Ribeiro, tem funcionado desde fevereiro deste ano, disponibilizando creche e pré-escola para 121 crianças, incluindo filhos de servidores técnico-istrativos, professores, discentes e colaboradores. Das vagas, 30% são destinadas à comunidade acadêmica, que também pode concorrer às demais. A iniciativa foi fruto da reivindicação do coletivo Mães da UnB e faz parte das diretrizes da Política Parental e Materna, prevista na politica de assistência que prevê não só o auxílio-creche, mas outras políticas de inclusão.
O cadastro deve ser feito nas vagas previstas em edital e seguir o Manual de Procedimentos para Atendimento à Educação Infantil, aprovado pela Portaria nº 928/2023 da Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEEDF). Os responsáveis pela seleção e pelo acompanhamento das vagas são a Secretaria de Direitos Humanos (SDH/UnB), o Decanato de Ensino de Graduação (DEG) e o Decanato de Assuntos Comunitários (DAC).
Para Cláudia Renault, secretária de direitos humanos da UnB, o CEI tem aspectos que podem beneficiar tanto os pais quanto a própria instituição. “Outra vantagem é a proposta de desenvolvimento de estudos e pesquisas do conhecimento para a política materna dentro de uma instituição de ensino superior onde a comunidade acadêmica faz parte de uma comissão de acompanhamento”, acrescenta.
Espaço
Mãe de Hórus, de 6 anos, Tcherry Félix, 26, é uma das fundadoras do coletivo Mães da UnB, grupo focado no acolhimento e na permanência de estudantes mães, e conta que teve uma experiência de maternidade diferente, pois contou com uma rede de apoio por parte da família. Apesar disso, ela afirma que teria sido ainda melhor se tivesse a ajuda da universidade na época. “Se houvesse a possibilidade de ter um espaço para deixá-lo, teria sido mais tranquilo, porque, por exemplo, eu moro no Gama, que fica a 40 km do câmpus”, relata.
Acompanhando de perto o funcionamento do CEI, ela afirma que a instalação da unidade foi um grande o para a garantia de um espaço historicamente negligenciado para pessoas que têm filhos. “Essa política pública é extremamente importante porque, primeiro, é uma mensagem de que essas pessoas vão ser acolhidas e que a universidade também é um espaço para elas. Segundo, para pensar na existência e resistência dessas pessoas dentro da comunidade acadêmica”, defende.
Tcherry Félix, 26, cofundadora do coletivo Mães da UnB, com o filho Oros
(foto: Arquivo Pessoal)
Dentre iniciativas, como o auxílio-creche, Tcherry reforça a importância do espaço físico para o desenvolvimento da criança. “Por muito tempo, ela ficaria na casa de alguém, provavelmente da avó. Agora, em uma creche, ela tem outros estímulos sociais, começa a se desenvolver a partir de percepção pedagógica, do contato com outras crianças e com outro espaço. Os auxílios são importantes, mas atingem a vida dessa pessoa de forma diferente.”
Permanência
Para a estudante de direito Amanda Souza, 21, a creche da UnB é o principal e da família. Antes da criação do CEI, ela deixava o filho, Jorge Augusto, hoje com 4 anos, em uma creche pública na Asa Norte. Ele frequentava o espaço desde que tinha um ano de idade, o que ajudou tanto a estudante quanto o marido dela, que também estuda na instituição, a darem continuidade aos estudos.
“Isso nos auxiliou a conseguir manter a graduação, porque, mesmo que em alguns momentos eu tivesse que trancar o semestre por causa de adoecimento ou outras situações, na maior parte do tempo, a creche foi o grande apoio para mantermos os estudos. Além disso, ter o filho por perto garante a permanência real das mães, pois enfrentamos muitas dificuldades”. descreve.
Amanda Souza e seu filho, Jorge Luis: "É um conforto sabermos que, se futuramente quisermos fazer um mestrado e tivermos outro filho, terá a creche lá"
(foto: Ed Alves CB/DA Press)
Como mãe e universitária, Amanda diz que a proximidade de localização do filho também faz diferença, sendo uma oportunidade de os filhos participarem mais da rotina dos pais e de garantir maior proteção para as crianças. “Nós temos que estar com o filho por perto, é uma segurança que é inegociável, ainda mais na universidade, em que não tem uma grade horária fixa”, explica
A estudante também tem expectativas de que o projeto cresça ainda mais: “É um conforto sabermos que, se futuramente quisermos fazer um mestrado e tivermos outro filho, terá a creche lá. Isso dá uma confiança maior para permanecermos na universidade e nos desenvolvermos acadêmica e profissionalmente.
Rede de apoio
Louise Boeger, 34, trocou a creche particular pela pública
(foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
A servidora Louise Bouger, 34, está deixando Oliver, de 2 anos, no CEI, após um ano e meio na lista de espera. Antes, ela deixava o filho em uma creche particular por um ano, e percebe diferenças notáveis entre os serviços oferecidos por instituições públicas e privadas, a começar pelo alto custo: a mensalidade ou de R$ 1.600 para R$ 2.700 de um mês para o outro.
Com a experiência, a servidora diz que essa é uma realidade que afeta mais as mães, diante da sobrecarga do trabalho e do cuidado com os filhos. “Quando fui noticiada sobre esse aumento no custo, vi que a conta não fecharia, e isso não pode acontecer, porque, muitas vezes, a creche é um direito das mães de ter uma rede de apoio.”
Nesse contexto, Louise conta que a creche tem ajudado não só no aspecto financeiro e na socialização do Oliver, como também na quantidade de tempo que a com ele, e na melhoria da qualidade de vida dela e do marido.”Só agora nós conseguimos ter qualidade de vida melhor com ele estando bem cuidado, bem alimentado, dentro da creche durante o dia. Esse local é nosso principal apoio hoje, e também percebi que, como o espaço é bem mais amplo, ele tem gostado mais”, comemora a mãe
Participação
A iniciativa beneficia não só estudantes, mas também trabalhadores da universidade. O professor Breitner Luiz Tavares, 50, deixa o filho de 2 anos no CEI, e aponta para o papel da creche na situação atual das crianças em relação à tecnologia. “A socialização no ambiente escolar ajuda a retardar esse problema que tem consequências na saúde mental das crianças, então, a creche é muito importante para ter uma um equilíbrio no processo de educação que envolve a família, a criança e a escola também.
O sociólogo acredita que a participação dos pais e responsáveis em todo o processo do CEI também tem contribuído com a evolução da escola: “Nós temos a oportunidade de contribuir diretamente na construção de um projeto político-pedagógico que vai se estruturar dentro do próprio CEI.”
Considerando esses aspectos, ele vê com bons olhos a ideia de ter uma creche na universidade. “A população universitária é muito grande, então, é positivo fazer com que toda a comunidade escolar, incluindo os filhos de professores, tenham o ao serviço, e também incentivar outros modos de educação, como o ensino fundamental e médio”, relata.
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