
No Brasil, apesar dos avanços nas políticas públicas e na legislação, a maternidade ainda é vista em muitos ambientes corporativos como um empecilho à produtividade. A consequência é a exclusão silenciosa de mulheres do mercado de trabalho formal, seja por demissão, seja por estagnação na carreira ou ausência de oportunidades de crescimento. Para a advogada Luciana Lucena Baptista Barretto, especialista em direito sindical, a luta das mulheres por autonomia financeira esbarra, até hoje, em preconceitos estruturalmente enraizados nas relações de trabalho.
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Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 56,6% das mulheres entre 25 e 54 anos com filhos de até 6 anos estavam empregadas em 2022. Entre os homens da mesma faixa etária e com filhos pequenos, a taxa era de 89%. Além disso, a média salarial das mulheres no Brasil equivale a 76,5% da remuneração dos homens, mesmo entre profissionais com o mesmo nível de escolaridade.
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O impacto dessa desigualdade é ainda maior quando se soma à sobrecarga das responsabilidades domésticas. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que elas dedicam, em média, 21,3 horas semanais ao cuidado da casa e dos filhos — os homens, 11,7 horas. O abandono paterno também é um traço estatístico marcante na constituição das famílias brasileiras: em 2024, até julho, mais de 91 mil crianças foram registradas sem o nome do pai na certidão de nascimento, de acordo com a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen).
Denise Garcia, diretora da Associação de Mulheres, Mães e Trabalhadoras (Matria), destaca o levantamento da Fundação Getulio Vargas (FGV), que revelou que quase metade das mulheres com filhos entre 25 e 35 anos estavam fora do mercado até dois anos após o término da licença-maternidade. "Esse cenário pode e precisa mudar. Valorizar a maternidade é uma estratégia inteligente para promover equidade, aumentar o bem-estar e impulsionar os resultados não apenas das empresas, mas de toda a sociedade."
Garantias
A Constituição Federal assegura à mulher gestante estabilidade no emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, vedando a demissão sem justa causa nesse período. Segundo Luciana Barretto, também é garantida a licença-maternidade de 120 dias, benefício concedido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), com possibilidade de prorrogação em caso de internação do bebê prematuro. A gestante pode ainda se ausentar até seis vezes para consultas médicas sem prejuízo no salário ou banco de horas.
Além disso, se a atividade exercida oferecer riscos à saúde da gestante ou do bebê, a trabalhadora tem direito à mudança de função sem redução salarial. Até os seis meses de vida da criança, também é assegurado o direito a dois intervalos diários de 30 minutos para amamentação. Empresas com pelo menos 30 funcionárias com mais de 16 anos devem manter creches ou firmar convênios, conforme determina a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A legislação também garante um dia de folga por ano para que o responsável acompanhe o filho de até seis anos em consultas médicas ou internações. Convenções e acordos coletivos de trabalho podem ampliar esses direitos, oferecendo, por exemplo, licença-maternidade de seis meses, licença-paternidade de 20 dias, auxílio-creche e maior flexibilidade para cuidados com os filhos.
Mesmo as mães que atuam como microempreendedoras individuais (MEIs) têm direito à licença de 120 dias, desde que tenham contribuído por pelo menos 10 meses ao INSS. O benefício, nesses casos, equivale a um salário mínimo mensal.
Vulnerabilidade
De acordo com Luciana Barretto, é necessário reconhecer, ainda, a realidade específica das mães solo — mulheres que assumem sozinhas a criação dos filhos, muitas vezes, sem o cumprimento dos deveres legais e afetivos por parte do pai. "Essas trabalhadoras enfrentam, de forma agravada, as dificuldades de conciliar jornada de trabalho, cuidados com a criança e instabilidade financeira. A ausência de corresponsabilidade masculina não apenas amplia a sobrecarga emocional e física, como também reforça desigualdades no ambiente profissional", explica.
Diante da insuficiência no e institucional, a especialista defende a implementação de políticas públicas e iniciativas empresariais que contemplem as particularidades dessas mães, assegurando-lhes condições reais de permanência, crescimento e proteção no mercado de trabalho. Como exemplos, ela cita o o prioritário a creches, flexibilização da jornada, trabalho remoto e ações afirmativas que considerem a dupla jornada vivida por essas mulheres.
Da mesma forma, é essencial garantir e divulgar o direito à estabilidade no emprego para a trabalhadora vítima de violência doméstica, nos casos em que se fizer necessário o afastamento do local de trabalho, pelo período de até seis meses, conforme a Lei Maria da Penha. "Essa medida visa assegurar a continuidade do vínculo empregatício como instrumento de fortalecimento da autonomia financeira e emocional da mulher em situação de vulnerabilidade, permitindo que ela rompa o ciclo de violência sem comprometer sua subsistência e a de seus filhos", explica.
Discriminação
Segundo Luciana, é preciso atenção redobrada a sinais que indicam discriminação. Perguntas sobre a intenção de engravidar durante entrevistas são ilegais e devem ser denunciadas. Pressões diretas ou indiretas para que a funcionária peça demissão após anunciar a gravidez ou ao retornar da licença-maternidade também violam o direito à estabilidade provisória garantida pela Constituição.
A exclusão pode ser ainda mais sutil, como a redução de responsabilidades ou a estagnação na carreira. Mulheres que antes ocupavam posições de destaque, muitas vezes, são preteridas em promoções e projetos sob o argumento de que precisam "focar na maternidade". Soma-se a isso a falta de estrutura para amamentação, bem como de canais formais para denúncia de assédio, criando um ambiente hostil à permanência da mulher no trabalho.
"É fundamental que as empresas compreendam seu papel na inclusão, retenção e valorização de profissionais mães. Isso a pela criação de salas de apoio à amamentação, adoção de jornadas flexíveis, ampliação do home office e políticas de acolhimento no retorno da licença", defende a advogada.
Proteção
A advogada ressalta que o primeiro o para se proteger é buscar informação de qualidade. "As mulheres precisam conhecer a Constituição, a CLT, os acordos da sua categoria e as leis mais recentes que protegem a maternidade", orienta. Em caso de violação, é essencial guardar provas, registrar as comunicações e buscar apoio jurídico.
As denúncias podem ser feitas ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), ao Ministério Público do Trabalho (MPT), ao sindicato da categoria ou às Comissões Internas de Prevenção de Acidentes e de Assédio (Cipa). Informações confiáveis também podem ser adas nos sites oficiais do governo, em cartilhas sindicais e com advogados especializados em direito do trabalho.
"Fortalecer o conhecimento e buscar apoio coletivo são estratégias fundamentais para enfrentar desigualdades, combater abusos e garantir a permanência das mulheres mães no mercado de trabalho com dignidade, autonomia e respeito", conclui Luciana.
Lei da Empresa Cidadã(nº 11.770/2008):Permite ampliar a licençamaternidade de 120 para 180dias e a licença-paternidadede cinco para 20 dias,incentivando a divisão deresponsabilidades no cuidadocom os filhos.
Marco Legal da PrimeiraInfância (Lei nº 13.257/2016):Estabelece diretrizes parapolíticas públicas voltadasao desenvolvimento integralda criança de zero a seisanos, fortalecendo o papelda família e do Estado nocuidado infantil.
Programa Emprega +Mulheres (Lei nº 14.457/2022):Obriga empresas aimplementarem políticascontra assédio moral e sexual,com canais de denúncia eações educativas anuais.Prioriza o trabalho remotoe a flexibilização da jornadapara gestantes, lactantes,mães de crianças pequenas eresponsáveis por pessoas comdeficiência.
Lei da Igualdade Salarial(nº 14.611/2023):Exige que empresas com100 ou mais funcionáriospubliquem relatóriossemestrais com comparaçõessalariais entre homens emulheres. Prevê multa emcaso de desigualdade e obrigaplano de ação para correção.