Jair Bolsonaro (PL) se tornou, nesta quarta-feira (26/3), o primeiro ex-presidente brasileiro réu por acusação de tentar um golpe de Estado — ou seja, ele vai responder a um processo penal.
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou por unanimidade a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Nela, Bolsonaro e outros sete ex-integrantes do seu governo são acusados de cinco crimes relacionados a um suposto plano de golpe de Estado para impedir Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de assumir o poder após as eleições de 2022.
Eles fariam parte do que a PGR chamou de "núcleo crucial" de uma trama golpista contra a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2022. Todos negam as acusações.
Entre os crimes imputados ao ex-presidente estão liderança de organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
Com a denúncia aceita pelo STF, uma ação penal é aberta e os envolvidos se tornam réus no tribunal.
Isso não significa que eles já foram considerados culpados. É justamente ao longo do processo que a acusação tentará provar suas acusações, enquanto a defesa tentará provar a inocência dos réus.
O processo penal é composto por três etapas.
A primeira fase do processo é a instrução criminal, quando são produzidas provas, incluindo documentos, depoimentos de testemunhas e eventuais perícias.
Em seguida, ocorre o interrogatório dos réus, momento em que Bolsonaro poderá apresentar sua versão ou optar pelo silêncio. Por fim, na fase das alegações finais, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a defesa apresentarão seus argumentos para condenação ou absolvição.
Concluídas as três etapas, o relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes, vai produzir seu voto e liberar o caso para que seja marcado o julgamento na Primeira Turma.
Caso Bolsonaro seja condenado por todos os crimes, as penas máximas somadas podem superar 40 anos de prisão, já que ele é acusado de liderar a suposta organização criminosa. No Brasil, penas acima de 8 anos começam a ser cumpridas em regime fechado.
Entenda, a seguir, o que são cada um dos crimes de que Bolsonaro será julgado.
Organização criminosa 5m2l67
Na denúncia, o procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco, acusa Bolsonaro pelo crime de "liderar organização criminosa armada".
A Lei nº 12.850 de 2013 define como organização criminosa a associação de quatro ou mais pessoas em uma estrutura ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas.
A legislação afirma ainda que, para se enquadrar como organização criminosa, o grupo deve ter como objetivo obter vantagem de qualquer natureza, além de ter praticado infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 anos ou que sejam de caráter transnacional.
A pena prevista para o indivíduo que integra, financia ou promove uma organização criminosa é de reclusão, de 3 a 8 anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.
No caso de Bolsonaro, a PGR destaca as condições previstas nos parágrafos 2º, 3º e 4º do artigo 2º, que preveem agravamento da pena se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo e se o indivíduo exercer função de comando na organização.
Na denúncia, Gonet Branco fala em "uma trama conspiratória armada e executada contra as instituições democráticas". O procurador também aponta que o uso de armas bélicas contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF, era parte do plano de golpe liderado por Bolsonaro.
O assassinato do magistrado fazia parte do chamado plano "Punhal Verde Amarelo", que também teria por objetivo ass Lula e o vice eleito Geraldo Alckmin.
Abolição violenta do Estado de Direito e golpe de Estado 433k6
Ambos os crimes estão previstos no artigo 359 do Código Penal. Eles foram incluídos pela lei de crimes contra a democracia, de número 14.197, sancionada pelo próprio ex-presidente Jair Bolsonaro em 2021.
Esta norma substituiu a Lei de Segurança Nacional, que era da época da ditadura militar.
Os dois crimes fazem parte do capítulo de crimes contra as instituições democráticas da lei e punem já a tentativa de atacar as instituições, mesmo que a ruptura institucional não tenha se concretizado.
O texto prevê pena de 4 a 8 anos de reclusão para quem tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais.
Também estipula de 4 a 12 anos de prisão para a tentativa de golpe de Estado por meio de violência ou grave ameaça.
Dano contra o patrimônio da União 3c3s9
Além de tratar do suposto envolvimento de Jair Bolsonaro com a tentativa de golpe, a denúncia da PGR também conecta o ex-presidente aos ataques de 8 de janeiro de 2023 contra as sedes dos Três Poderes da República.
Na ocasião, milhares de apoiadores radicais do ex-presidente, insatisfeitos com a eleição e posse do presidente Lula, invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo o procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco, o episódio foi fomentado e facilitado pela suposta organização criminosa da qual Bolsonaro faria parte. Segundo ele, o grupo deve ser responsabilizado "por promover atos atentatórios à ordem democrática, com vistas a romper a ordem constitucional, impedir o funcionamento dos Poderes, em rebeldia contra o Estado de Direito Democrático."
Ainda segundo a denúncia, a violência cometida teria gerado prejuízos estimados em mais de R$ 20 milhões.
O crime de dano contra o patrimônio da União, pelo qual Bolsonaro foi denunciado, também está previsto no Código Penal.
O Ministério Público acusou o ex-presidente pelo crime de "dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima".
O Código Penal prevê detenção, de 6 meses a 3 anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
E apesar de Bolsonaro não ter participado dos ataques pessoalmente - ele estava no exterior em 8 de janeiro de 2023 - Gonet Branco defende que o resultado trágico dos eventos "não pode ser dissociado das omissões dolosas" dos personagens denunciados.
O procurador diz ainda haver provas suficientes para demonstrar que o núcleo central da suposta organização criminosa estava em constante interlocução com as lideranças populares, "em claros atos de direcionamento, mostrando-se plenamente ciente de todos os movimentos que seriam realizados por seus apoiadores."
A denúncia fala ainda da omissão de membros da Secretaria de Segurança Pública "no âmbito das suas responsabilidades na segurança pública, de prevenir exatamente as barbaridades ocorridas."
Deterioração de patrimônio tombado 1q284x
A denúncia pelo crime de deterioração de patrimônio tombado segue a mesma justificativa da anterior: segundo o Ministério Público, apesar de não ter participado dos ataques de 8 de janeiro, Jair Bolsonaro deve ser vinculado aos resultados dos eventos daquele dia.
Segundo a denúncia enviada ao STF, o suposto plano de golpe de Estado "resultou na destruição, inutilização e deterioração de patrimônio da União, incluindo bens tombados."
"Todos os denunciados, em unidade de desígnios e divisão de tarefas, contribuíram de maneira significativa para o projeto violento de poder da organização criminosa, especialmente para a manutenção do cenário de instabilidade social que culminou nos eventos nocivos", diz o texto.
O procurador-geral da República afirma ainda que a suposta organização criminosa, por meio de seus integrantes, teria direcionado os movimentos populares e interferido nos procedimentos de segurança necessários, razão pela qual responde pelos danos causados.
O crime de deterioração de patrimônio tombado está previsto na Lei n. 9.605, de 1998, com pena de reclusão, de 1 a 3 anos, e multa.
Gráfico por Caroline Souza, Equipe de Jornalismo Visual da BBC Brasil
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