
Enviado especial
Cidade do Vaticano — Na mesma sala em que, dias atrás, os 133 cardeais eleitores se preparavam para o conclave e debatiam os rumos da Igreja Católica, o papa Leão XIV explicou que escolheu seu nome por seu compromisso com as causas sociais, citou a revolução digital e deu uma demonstração de humildade. "O papa, começando por São Pedro até mim, seu indigno sucessor, é um humilde servo de Deus e dos irmãos, nada mais do que isso", declarou aos purpurados. Robert Francis Prevost, agora líder da Igreja, contou que a opção pelo nome Leão XIV veio pelo fato de Leão XIII ter escrito a encíclica Rerum Novarum, que abordou a questão social no contexto da primeira grande revolução industrial.
"Hoje, a Igreja oferece a todos seu patrimônio de doutrina social para responder a mais uma revolução industrial e aos desenvolvimentos da inteligência artificial, que colocam novos desafios na defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho", afirmou Leão XIV. Depois o encontro com os cardeais, o pontífice fez uma visita ao Santuário da Nossa Senhora do Bom Conselho, na cidade de Genazzano, a 46km de Roma. No local de culto de tradição agostiniana desde o ano 1200. "Desejei muito vir aqui nestes primeiros dias do novo ministério que a Igreja me confiou, para levar adiante a missão como sucessor de Pedro", disse o papa, que aproveitou para orar diante da imagem trazida da Albânia.
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Especialista em Vaticano e doutor em ciências sociais pela Pontifícia Universidade Gregoriana (em Roma), Filipe Domingues acredita que o discurso de Leão XIV perante os cardeais deixou muito claro o desejo de continuidade do pontificado de Francisco, "com o jeito dele e com um carisma diferente". "Ele repetiu os temas principais do papado de Francisco, que ele tem a intenção de prosseguir. Também explicou que o nome foi uma menção ao Leão XIII, o papa das coisas novas e da encíclica. Leão XIV foi um pontífice que se preocupou muito com os temas do trabalho e citou a inteligência artificial como um desafio dos nossos tempos", afirmou ao Correio. "Podemos ver que é um papa antenado nessas questões e isso será uma prioridade para ele. Francisco tocava nesses assuntos, mas de uma forma mais lateral ou indireta. Leão XIV, no primeiro encontro com os cardeais, fala disso. Ele vem de uma geração mais jovem e com uma sintonia maior nesses tópicos da modernidade."
Para Domingues, é bem possível que o papa publique uma nova encíclica sobre o trabalho. "Faz um bom tempo que não temos um documento sobre o trabalho; a última foi escrita por João Paulo II. Seria interessante se ele abordasse o tema no contexto da precarização do emprego, da perda de direitos, do trabalho análogo à escravidão, da exploração da mão-de-obra. Isso pode render ótimas reflexões."
Saiba Mais
Depoimento - "Ser missionário é sinal de generosidade incomum"
"Não conheci o bispo Robert Prevost, nem sabia nada sobre ele antes de se tornar o papa Leão XIV. Pelo que li até o momento, e com base em seu discurso inicial e em sua homilia, estou bem encorajado. A Igreja, mesmo o mundo, precisa de um papa. É por isso que Jesus instituiu o pontificado com São Pedro. A importânciia deste símbolo internacional de unidade e de continuidade da Igreja Católica tem sido evidente ante o interesse mundial em sua eleição.
Para mim, que fui abençoado por ter conhecido Bento XVI por mais de 30 anos antes de ele se toirnar, ou que aprendi sobre Leo XIV tem sido muito encorajador. O papa Leão não é um estudioso com as mesmas habilidades de João Paulo II ou Bento XIV — dois dos papas mais brilhantes da longa história da Igreja. Mas ele é claramente uma pessoa inteligente e bem-educada. Tem um doutorado em direito canônico e um diploma de graduação em matemática! Ele reconhece o valor das verdades eternas e imutáveis. Ele foi o diretor de vocações e missões da Província Centro-Oeste da ordem agostiniana. Como jesuíta, sei que os escolhidos para essa função geralmente são zelosos e devotos.
Ele também é missionário. Isso é um sinal de generosidade e zelo incomuns, de um desejo de proclamar o Evangelho 'até os confins da terra'. Seu primeiro discurso foi lindo. A paz era o tema principal. Foi claro, pessoal e inspirador. Da mesma forma, sua primeira casa no dia seguinte, onde ele citou Santo Inácio de Antióquia, uma das primeiras testemunhas da primazia de Pedro e do Bispo de Roma que "é o principal na caridade sobre a Igreja universal" e que veio a Roma acorrentado para ser "alimento para as feras", para ser "o trigo de Deus, moído pelos dentes deles... para se tornar o pão puro de Cristo".
Joseph Fessio, padre jesuíta norte-americano, ex-aluno de doutorado do papa Bento XVI
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