Roma — Com fim do Novemdiales (ou "Nove Dias Santos"), o período de luto da Igreja Católica em memória do papa Francisco, as Congregações Gerais dos Cardeais aceleram o o na tentativa de afunilar os nomes dos papabili ("papáveis"), às vésperas do conclave, que começa às 16h30 de quarta-feira (11h30 em Brasília). A escolha do próximo papa deve levar em conta a crise da fé que marca o catolicismo. Os 133 cardeais eleitores terão pela frente um dilema existencial para Igreja: seguir o caminho aberto por Francisco, com uma série de reformas, ou impor uma condução mais ortodoxa do trono de São Pedro. A decisão dos purpurados de se reunirem em dois turnos, na Sala Paulo VI, às 9h (4h em Brasília) e às 17h (meio-dia no Brasil) sugere dificuldade de consenso e pode coloca em xeque as previsões otimistas sobre um conclave rápido. Dos 133, quatro não haviam chegado a Roma até ontem.
Pela primeira vez, o conclave ganha características de multipolaridade. Francisco abriu o escopo do Colégio Cardinalício e nomeou mais de 120 cardeais de 72 nações. Durante seus 12 anos de pontificado, a sinodalidade se fez presente na busca por não priorizar o eurocentrismo na escolha dos "príncipes da Igreja". Na opinião de cardeais não eleitores e de jornalistas, tamanha diversidade de purpurados traz um caráter inédito à escolha do papa.
Apesar de Francisco ter nomeado 80% dos cardeais, nada impede que os indicados pelo jesuíta argentino votem por nomes que fujam da cartilha reformista. O jornal italiano La Stampa divulgou, ontem, que o cardeal italiano Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano, segue como favorito ao trono de São Pedro e teria garantidos entre 40 e 45 votos dos 89 necessários. Em segundo lugar, apareceria o também italiano Matteo Zuppi, que teria prometidos de 25 a 30 votos, seguido pelo filipino Luis Antonio Tagle, que teria o apoio de cerca de 30 cardeais.
Por volta das 18h45 de ontem (13h45 em Brasília), foi celebrada a última missa Novemdiales na Basílica de São Pedro, na Cidade do Vaticano. Na homilia, o cardeal franco-marroquino Dominique Mamberti citou o papa Francisco, falecido em 21 de abril. "Todos nós iramos como o papa Francisco, animado pelo amor do Senhor e trazido por Sua graça, foi fiel à sua missão até o fim de suas forças", declarou.
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Ao fim da missa na Basílica de São Pedro, o Correio conversou com dois cardeais. O indiano Oswald Gracias, arcebispo de Mumbai. Por ter completado 80 anos, ele não pode votar no conclave de quarta-feira. Mesmo assim, demonstrou otimismo. "O Espírito Santo escolheu o papa Francisco, e o Espírito Santo nos dará um homem adequado, nos guiará", comentou. Ele disse apostar na continuidade do trabalho do jesuíta argentino. O paraguaio Adalberto Martínez Flores, 73, figura entre os 133 eleitores e disse ver o conclave com muita "esperança" (leia o Duas perguntas para).
Dom Odilo Scherer, cardeal e arcebispo de São Paulo, afirmou a um grupo de jornalistas que "o próximo papa não será uma xerox de Francisco". "O menino que seria canonizado, Carlo Acutis, dizia que Deus não gosta de fotocópias, gosta de originais. Tem continuidade e descontinuidade: descontinuidade porque não é mais o mesmo papa que está adiante. Agora a continuidade é cuidar da Igreja, da missão da Igreja, as preocupações em relação à evangelização." A declaração foi dada depois de missa na Igreja de Sant'Andrea al Quirinale, em Roma.
Especialista em história da Igreja Católica e professor da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, Roberto Regoli ite ao Correio que o legado de Francisco é um ponto importante, mas alerta que a questão é mais ampla. "Ela diz respeito a quais urgências para a Igreja são consideradas mais significativas. O que está me jogo não é Francisco, não há torcedores de futebol, mas o julgamento sobre a Igreja", explica. "Parece que estamos vivendo um tempo de sede vacante (ausência de um papa) mais focado na dinâmica eclesial do que na relação entre Igreja e mundo."
Por sua vez, o vaticanista Silvonei José Protz — responsável pela Rádio Vaticano e pelo site Vatican News em português — afirma à reportagem que "o dilema entre a abertura e a ortodoxia não existe". "É uma questão que vem muito mais da imprensa do que de dentro do Colégio Cardinalício. O que pode ocorrer é que posições de certos cardeais sejam um pouco diferentes. Temos 133 cabeças pensantes. É difícil imaginar que todas elas pensarão de maneira igual", diz à reportagem.
Ele acredita que o perfil do próximo papa seja de continuidade do que foi o pontificado de Francisco, mas também terá que responder a certas exigências levantadas pelos cardeis nos últimos dias: uma Igreja profética, o olhar para o mundo, a paz, os problemas dos imigrantes e dos refugiados, o direito à vida. "São vários assuntos que se mostram um seguimento ao que o papa Francisco dedicou ao seu pontificado. A mesma coisa com Bento XVI e com João Paulo II. O que muda é o carisma de cada papa", acrescenta Silvonei. "A divisão entre mais ortordoxia, mais doutrina e menos pastoral não é bem assim, não. A gente quer ver uma Igreja bem mais presente no mundo e recordar a doutrina, e isso é absolutamente possível."
Do mesmo modo, dom Maurício da Silva Jardim, bispo de Rondonólis-Guiratinga, enfatiza que a Igreja dará continuidade ao pontificado de Francisco. "O Espírito Santo sempre nos surpreende, como ocorreu no último conclave, em 2013, ao eleger um papa latino-americano. Existem o papa das apostas e da mídia, e o real, que será eleito", lembra. Segundo ele, as reuniões das Congregações Gerais dos Cardeais foram decisivas para que os purpurados pudessem e conhecer melhor. "A tendências é de um pontífice europeu, depois de um da América Latina, mas não descarto a possibilidade de nomes de fora da Europa."
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