
O humorista Leo Lins, de 42 anos, foi condenado a oito anos e três meses de prisão por propagar discursos considerados discriminatórios contra diferentes grupos sociais durante um show de stand-up publicado na internet.
A decisão, proferida pela 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo, também impõe ao comediante o pagamento de multa e indenização por danos morais coletivos. Ainda cabe recurso.
De acordo com a Justiça, o vídeo intitulado Perturbador contém declarações preconceituosas contra negros, obesos, idosos, pessoas com HIV, indígenas, homossexuais, judeus, nordestinos, evangélicos e pessoas com deficiência.
A gravação, que contava com cerca de 3 milhões visualizações, foi suspensa do YouTube, em agosto de 2023 por uma decisão judicial.
O conteúdo motivou uma ação do Ministério Público Federal (MPF), que classificou as falas como ofensivas a direitos fundamentais.
A juíza responsável pelo caso, Barbara de Lima Iseppi, considerou agravantes o alcance da gravação, com mais de três milhões de visualizações, e o número de grupos atingidos.
Segundo a sentença, as apresentações de Lins "incentivam a propagação de violência verbal" e "fomentam a intolerância". A decisão afirma ainda que "a liberdade de expressão não é pretexto para o proferimento de comentários odiosos, preconceituosos e discriminatórios".
Além da pena de prisão em regime inicial fechado, Leo Lins deverá pagar uma indenização de R$ 303,6 mil por danos morais coletivos.
A defesa do humorista anunciou que irá recorrer da decisão. "Trata-se de um triste capítulo para a liberdade de expressão no Brasil, diante de uma condenação equiparada à censura", disse a defesa em nota.
"Ver um humorista condenado a sanções equivalentes às aplicadas a crimes como tráfico de drogas, corrupção ou homicídio, por supostas piadas contadas em palco, causa-nos profunda preocupação."
Em uma publicação nas redes sociais, Lins compartilhou imagens da estátua da deusa Themis, símbolo da justiça, e escreveu: "Ironia ou realidade? Arte ou crime?". Ele ainda lembrou que a figura também aparece no cartaz de seu show mais recente.
O que diz a sentença
Na sentença que condenou Leo Lins a oito anos e três meses de prisão, a juíza da 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo afirma que o humorista praticou crimes de discriminação e incitação ao preconceito por meio de piadas ofensivas publicadas no YouTube, no show Perturbador.
A decisão reconhece a ocorrência de crimes previstos nas Leis nº 7.716/89 (preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional) e nº 13.146/2015 (discriminação contra pessoas com deficiência), agravados pelo contexto de "atividades culturais destinadas ao público".
A juíza Barbara de Lima Iseppi destaca que as falas do comediante causam "constrangimento, humilhação, vergonha, medo e exposição indevida" a diversos grupos vulneráveis, incluindo negros, nordestinos, idosos, obesos, homossexuais, judeus, indígenas e pessoas com deficiência.
"A ocorrência de atos como os ora julgados certamente estimulam a propagação de violência verbal na sociedade, fomentando a não-aceitação das diferenças e a intolerância, prática nociva e que deve ser desencorajada", diz a juíza.
Segundo a decisão, a alegação de que se tratava de "humor" não exclui o caráter criminoso dos discursos, que se valeram do riso como "subterfúgio retórico" para perpetuar ideias discriminatórias.
O vídeo, segundo a magistrada, foi deliberadamente compartilhado pelo réu fora do ambiente teatral, alcançando milhões de visualizações na internet, o que ampliou o potencial lesivo.
A sentença também rejeita a tese da defesa de que houve quebra na cadeia de custódia da prova, ao considerar que o conteúdo do vídeo nunca foi contestado pelo próprio réu e que havia evidências técnicas suficientes sobre a extração do material.
A juíza rejeita a ideia de que a liberdade de expressão protege o tipo de discurso proferido por Lins, afirmando que "o lugar do humor não é terra sem lei" e que a liberdade artística não pode servir de escudo para o discurso de ódio.
Ela cita ainda que "o racismo recreativo" — forma de discriminação disfarçada de humor — é causa de aumento de pena, segundo a nova redação da Lei nº 14.532/2023.
Quem é Leo Lins

Nascido no Rio de Janeiro, Leonardo de Lima Borges Lins iniciou sua carreira em 2005 como comediante de stand-up. Ficou conhecido nacionalmente em 2008, após ser finalista do quadro Quem Chega Lá, exibido no Domingão do Faustão, da TV Globo.
Lins consolidou seu nome no humor com um estilo marcado por piadas consideradas ofensivas e provocativas. Participou de programas como Legendários (Record), em 2010, e integrou o elenco do The Noite com Danilo Gentili (SBT) entre 2014 e 2022.
Nas redes sociais, mantém uma audiência expressiva: são 2,9 milhões de seguidores no Instagram, 2,1 milhões no TikTok e 1,5 milhão de inscritos em seu canal no YouTube, criado em 2007.
Ao longo da carreira, o comediante já se envolveu em outras controvérsias. Em 2022, foi condenado a pagar R$ 44 mil por danos morais após fazer comentários ofensivos sobre a mãe de um jovem autista.
No mesmo ano, enfrentou críticas por uma piada sobre uma criança com hidrocefalia. Em 2021, teve um show cancelado pela Prefeitura de Guarujá (SP), que alegou problemas técnicos no teatro. Lins, no entanto, acusou o município de censura.
A condenação reacendeu debate mais amplo sobre os limites da liberdade de expressão na comédia.
Críticos da atuação de Lins apontam a repetição de estigmas e discursos discriminatórios, enquanto defensores argumentam que o humor deve ser livre para provocar e transgredir.
Colegas da comédia defenderam o humorista. Marcelo Tas classificou a decisão como "gravíssima": "Não é sobre gostar ou não da piada. Particularmente, não é meu tipo de humor. E daí? O comediante estava no teatro diante de pessoas que escolheram estar ali."
O humorista e roteirista Antônio Tabet, um dos criadores do Porta dos Fundos e do MyNews, escreveu: "É um absurdo. Pode-se não achar a menor graça ou até detestar as piadas de Leo Lins, mas condená-lo à prisão por elas é uma insanidade e um desserviço. Espero que essa decisão completamente descabida seja revertida".
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