Opinião

Bobagem quântica

A partir dos anos 60-70, começou uma história de "cura quântica", "psicologia quântica", "espiritualidade quântica". Nem mesmo os deturpadores dessa área do conhecimento sabem explicar direito o que querem dizer

Meditação -  (crédito: Jared Rice/Unsplash)
Meditação - (crédito: Jared Rice/Unsplash)

 Houve um tempo em que design significava apenas o que ele realmente é: o processo de elaboração de objetos, sistemas ou outros produtos. Um dia, descobriram — e corromperam — a palavra. Tudo virou design. No salão de beleza, agora só há nail designers, designers de sobrancelha, hair designers. A apropriação indébita do termo chegou à cozinha: inventaram um tal de food design, o que, na minha época, se chamava fazer o prato. 

Assim é com "quântica", ramo da física que estuda objetos menores que o átomo. Desenvolvida a partir de estudos dos alemães Max Planck e Albert Einstein, a mecânica quântica fala de um mundo não só invisível, mas difícil de se imaginar. Nesse estranho universo, um objeto pode ocupar dois lugares ao mesmo tempo, apresentar-se em estados diferentes; isso sem falar nas propriedades "espelhadas" em partículas distantes. 

A natureza é estranha, e temos de aceitar isso, disse o físico norte-americano Richard Feynman: "Espero que você possa aceitar a Natureza como ela é — absurda". (É dele também a piada: "Se você acha que entendeu a mecânica quântica, é porque não entendeu nada).

Se não temos a obrigação de conversar sobre física quântica como se fosse algo tão óbvio quanto a forma redonda da Terra, podemos, porém, dizer, com certeza, o que a mecânica quântica não é. E aqui voltamos à apropriação indébita de palavras, como design. 

Especialmente a partir dos anos 1960-1970, auge da Nova Era, começou uma história de "cura quântica", "psicologia quântica", "espiritualidade quântica", "vibração quântica". Nem mesmo os deturpadores dessa área do conhecimento sabem explicar direito o que querem dizer, mas um chegou ao absurdo de definir em um livro: "A ciência quântica revela a interface entre espírito e matéria, apontando para a verdadeira espiritualidade". 

Se o princípio da fé é justamente crer sem necessidade de provas, por que tentar se apropriar de uma teoria da física para "comprovar" conceitos que não são foco dessa disciplina". 

Uma das partes mais fáceis (talvez a única) da mecânica quântica, porém, é o conhecimento de que as propriedades das partículas subatômicas só são verdadeiras quando interagem apenas entre elas. Então, mesmo que existisse um "óleo quântico", ele não agiria sobre um tumor. É como em Las Vegas: o que acontece no mundo quântico fica no mundo quântico.

A espiritualidade deve ser respeitada, e a ciência, também. São campos distintos e, por isso mesmo, sequer rivalizam, como muitos querem. A mecânica quântica jamais vai (e nem quer) explicar estados de alteração da consciência, sensação da presença de um ser superior, clarividências. Não porque essas experiências não existam, mas porque não é da competência da física prová-las ou rechaçá-las.

 

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postado em 30/07/2024 06:00
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