
Por Eduardo Pierrotti Rossetti*
A informação que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) havia apresentado o projeto de restauro da Praça dos Três Poderes foi recebida com interesse e surpresa. O interesse é previsível, já que se trata da potencial recuperação da praça mais importante da história da arquitetura e do urbanismo do século 20, que foi vilipendiada no 8 de janeiro de 2023. A surpresa decorreu da qualidade da proposta apresentada em 22 de abril, em evento público, atestando o grau de legitimidade que tal proposta já possui. Ao mesmo tempo, matérias jornalísticas possibilitaram o o às imagens das alterações, o que permite contribuir com o debate, ao fazer ponderações sobre suas características.
Um projeto de intervenção é sabidamente necessário, e ninguém deverá se opor à recuperação de obras de arte, à revitalização do Museu da Cidade e do Espaço Lucio Costa. Poucos poderão contestar a necessidade de recuperar o piso da Praça, com seu extraordinário calçamento de pedras portuguesas que já estava avariado havia tempos. Tampouco alguém deverá fazer objeções à necessidade de adaptações para garantir maior ibilidade à Praça, incluindo dispositivos de iluminação que mantenham a percepção de sua singularidade espacial. Também não parece razoável questionar a necessidade de instalar bebedouros, lixeiras e sanitários. Questões de segurança devem ser tratadas com inteligência e policiamento constante.
A Praça sempre será o elemento de coesão simbólica que espacializa os Três Poderes, desde a concepção do Plano Piloto de Lucio Costa. Uma praça seca para denotar austeridade ao ambiente cívico entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, cada um instalado em seu respectivo palácio. Trata-se de uma praça aberta que é definida pela arquitetura dos três palácios, mas que não é delimitada por eles, abrindo-se para a paisagem do Cerrado.
Os desenhos da proposta apresentada têm limitações gráficas, restringindo a apreensão de detalhes, parecendo mais ilustrações com fundo genérico de massas arbóreas, sem uma ambientação urbana específica. Portanto, diante dos desenhos difundidos, à guisa de projeto, as soluções aventadas parecem esbarrar em incompreensões de escala e caráter da Praça dos Três Poderes, gerando resultados aquém do esperado.
A disposição de três agrupamentos de guarda-sóis com bancos, perfazendo pequenos ambientes de estar é inadequada. Além de atrapalhar a visibilidade franca que o local deve ter, esses aglomerados de coberturas parecem dispostos sem lógica e ainda inserem três novos pontos focais no ambiente. Esses conjuntos de elementos de cobertura e mobiliário de concreto e aço não resolvem demandas condizentes com a escala da Praça, gerando uma solução simplória, banal. O bicicletário poderia ser instalado próximo às paradas de ônibus da Esplanada, nas vias S1 e N1, mas não na Praça. Já os eixos de pisos podotáteis parecem adicionar novas linhas à trama da retícula de quadrantes que definem o piso da Praça, sobre o próprio chão de um terrapleno, fato fundamental à sua carga simbólica.
O local já ou por muitas transformações, desde o pombal até a inserção da Casa de Chá, que é recinto rebaixado a meio nível, como um apoio para quem o visita. Esse abrigo também funciona como contraponto espacial às experiências de percorrer o espaço contínuo no final da Esplanada.
A Praça dos Três Poderes nunca foi apenas um plano ideal, mas os desenhos mostram uma praça desarticulada da paisagem, sem relação com Palácio do Planalto, Congresso Nacional, Bosque dos Constituintes e suas instalações, incluindo o mastro da Bandeira, o Panteão da Pátria e estacionamentos. A incompreensão ou a banalização do seu caráter é tão preocupante quanto a sua transformação em palco para espetacularização da violência antidemocrática.
Lucio Costa disse que Brasília não ficará velha, ficará antiga. Por essa razão — seja o Plano Piloto ou na escala metropolitana trabalhada por Aldo Paviani —, Brasília permanece instigando os desafios de preservar, projetar e inventar, explorando inclusive novos materiais e tecnologias. Para cumprir seu desígnio maior de ser a cidade-capital do Brasil, ela não pode ser maltratada e malcuidada, tornando-se quase um arremedo de si própria. Como recobra Murilo Marx, Brasília deve inspirar uma abordagem tão vigorosa e lúcida quanto o Plano que "pilotou" sua invenção. Assim, um projeto de intervenção deve ser qualificadamente realizado, assegurando a plena recuperação da soberania da Praça dos Três Poderes.
Eduardo Pierrotti Rossetti é arquiteto e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (FAU/UnB)
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