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Novo padrão de combustível pressiona o setor marítimo

A Organização Marítima Internacional (OMI) decidiu no último dia 11 de abril taxar a emissão de carbono dos grandes navios a partir de 2027. É definitivamente o início do fim da era dos combustíveis fósseis.

Marcelo Coutinho, especialista em hidrogênio verde -  (crédito: Arquivo Pessoal)
Marcelo Coutinho, especialista em hidrogênio verde - (crédito: Arquivo Pessoal)

Por Marcelo Coutinho*

Com o apoio de ampla maioria dos países no mundo, a Organização Marítima Internacional (OMI) decidiu no último dia 11 de abril taxar a emissão de carbono dos grandes navios a partir de 2027. Hoje, o setor marítimo é responsável por 3% das emissões globais de carbono. Trate-se de uma decisão histórica porque é primeira de ordem internacional vinculativa, isto é, obriga os países e empresas a adotarem, sob pena de fortes punições financeiras ou mesmo exclusão do comércio global. É definitivamente o início do fim da era dos combustíveis fósseis.

Mais de 85% do comércio global se dá pelos mares, usando navios de grande porte, de modo que os países e empresas que desobedecerem a essa decisão arcarão com prejuízos. Pela nova diretriz da OMI, precifica-se a emissão do carbono e força-se o estabelecimento de um novo padrão de combustível marítimo. O combustível usado pelos navios ainda hoje é basicamente o que se chama de bunker (ou VLSFO), que vem a ser o resto do resto no refino do petróleo, ou seja, um lixo que rende muito dinheiro às petroleiras.

A partir de 2027, as petroleiras perderão progressiva renda com o combustível marítimo e ainda por cima terão gastos com o seu armazenamento. Não será nada trivial descartar o bunker em algum reservatório natural por causa do seu alto teor poluidor, um verdadeiro abacaxi operacional. E mesmo que as petroleiras tentem usar o gás natural liquefeito (GNL) nessa transição ou misturar o bunker com porções de biodiesel, isso não resolve o problema, porque a vida útil de um navio é em média de 25 anos. Serão poucos agora os que preferirão comprar novos navios movidos a GNL ou a VLSFO porque, dentro de 10 anos, o hidrogênio verde e a nova decisão da OMI simplesmente acabarão com o bunker e o GNL marítimo.

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O racional dos negócios é bastante objetivo e não deixa nenhuma escapatória: os grandes navios oceânicos com volume bruto superior a 5 mil toneladas serão movidos a hidrogênio verde, sobretudo por seus derivados e-metanol e amônia verde. Não só as petroleiras terão que mudar, mas todas as grandes empresas exportadoras e cruzeiros também. As dezenas de navios da Petrobras, mas principalmente da Vale terão que se adaptar. Para não serem pegos na nova lei marítima internacional, ao menos alguns navios movidos a combustível sintético dessas companhias serão necessários até 2030 para algum tipo de compensação permitida na norma. E, para isso acontecer de forma segura, providências de transição devem já ser tomadas.

A Vale tem um plano de transição marítima usando velas em fase de teste no qual busca uma redução no consumo de combustível de até 6% e redução anual de até 3 mil toneladas de CO2? equivalente por navio. Com a nova decisão da OMI, esse plano da Vale morre antes de se desenvolver plenamente, pois só servirá até 2028. Depois disso, se um navio reduziu abaixo de 4%, ele pagará o valor mais alto por tonelada— isto é, US$ 380 por tonelada acima do permitido. Já com redução entre 4% e 17%, ele pagará um valor mais baixo pela tonelada de CO2, mas ainda assim significativo de US$ 100 por tonelada. E, para completar, as exigências de descarbonização aumentam muito depois de 2030. Ou seja, a Vale deverá investir desde já em novos navios (ou retrofit) movidos a derivados do H2V ou corre risco de perder competitividade para os concorrentes australianos.

Infelizmente, a nova decisão da OMI ainda não determina com precisão o método de contagem de emissão de carbono. Não está claro na OMI como as emissões de mudanças indiretas no uso da terra (ILUC) serão contabilizadas de acordo com as diretrizes de análise do ciclo de vida. As metas atuais podem dar algum incentivo para os navios recorrerem aos biocombustíveis agrícolas até 2030, o que faria as emissões aumentarem três vezes mais ao invés de diminuírem. Em resumo, brechas na lei internacional podem gerar uma onda maior de desmatamento para a plantação de soja, palma e colza, não para comida, mas para fazer biodiesel.

O uso de terras agrícolas como combustível pressiona tanto a diversidade quanto também o clima, além de diminuir o suprimento de comida. Quanto mais demanda por biocombustível, mais demanda por terra desmatada. E quanto mais demanda por oleaginosas, menos plantações de outras culturas essenciais, como arroz e feijão. A ausência de regras que evitem a expansão dos biocombustíveis pode resultar em algo ainda pior do que os combustíveis fósseis. No entanto, o próprio aquecimento global vai dando um jeito de evitar essa nova tragédia. As plantações para biocombustíveis começaram a ser impactadas pelas mudanças climáticas. Grandes plantações de colza na Índia, por exemplo, já estão sendo substituídas por cultivos para fins alimentares. Tudo isso junto leva a crer que chegou mesmo a hora do hidrogênio verde.

Marcelo Coutinho é professor da UFRJ e especialista em indústrias de hidrogênio verde 

 


Por Opinião
postado em 13/05/2025 06:35 / atualizado em 13/05/2025 07:37
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