Artigo

Em tempos estranhos, escolha a delicadeza

Não recuso convites que me movem em direção à delicadeza e ao lado bom da vida. Eles salvam o dia, a semana, a existência. Desejo que façam o mesmo neste domingo

Leila Pinheiro (E) em apresentação no Sarah: alegria e sensibilidade -  (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
Leila Pinheiro (E) em apresentação no Sarah: alegria e sensibilidade - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

A inquietude é mesmo maravilhosa. Provoca pequenas revoluções no nosso dia a dia. Eu, por exemplo, preciso me deslocar para estar desperta. Enquanto me preparo para uma caminhada noturna de 37 quilômetros do Gama ao Plano Piloto, reviso a semana em busca exatamente daquilo que me confronta - porque, no fundo, é o que me move e o que me comove. O conforto nos paralisa. Tem sido duríssimo sobreviver ao Brasil, ao mundo. Então, eu me viro para poder encontrar a delicadeza do nosso tempo. O bom é que sempre acho.

Quando a gente se despede de pessoas como o papa Francisco, o político Pepe Mujica e o grande artista e defensor da humanidade Sebastião Salgado, a gente fica mesmo com a sensação de que o mundo está mais apertado, sem lugar para a alegria. Pessoas muito dignas, boas, lúcidas, essenciais para o planeta expandem o otimismo, a esperança, movimentam nossas energias. Elas são oxigênio puro e, na falta delas, falta-nos também o ar.

E, de novo, perdi o ar quando Marina Silva, a ministra, a mulher, a grande referência de proteção ao meio ambiente foi atacada de modo orquestrado, covarde, criminoso e vergonhoso no Senado Federal. Nem cito nominalmente os agressores que tentaram intimidá-la porque neste, que é um espaço de opinião assinado, reservo-me o direito de não perpetuar em nenhum meio, impresso ou digital, nomes indignos da posteridade. Porque, no fim das contas, o legado dessas pessoas é inexistente.

É preciso algum esforço para fazer nossa biografia merecer registro que não seja apenas acumular dinheiro e poder. Resta aos inomináveis ser encarnação do machismo, da misoginia e do racismo; um repositório do atraso. Dito isso, decido me comover com o surto de manifestações lindas em apoio a Marina, ainda que o poder institucionalizado — o Parlamento e o próprio governo — tenham sido omissos ou tímidos na reação.

Sorte minha que, um dia depois desse triste episódio, salvei minha semana, ao assistir a um momento de rara beleza. Acompanhei com emoção ao show de Leila Pinheiro em homenagem ao amigo e vizinho, o músico Toni Platão, no Hospital Sarah. Ele está em reabilitação no hospital. Sofreu um AVC, em 2024, e cantou com Leila nos bastidores, antes de ela se apresentar no palco para uma plateia de gente que enfrenta suas dores com amorosidade e gratidão.

"Aqui é um espaço onde a gente celebra esses sentimentos, a saúde, com toda a força da minha existência, do meu amor", disse Leila. A balarina é coreógrafa Débora Colker, esposa de Toni, ressalta que o vídeo do marido cantando com Leila mostra "o poder da música, da ciência, da ética profissional, do amor e do trabalho extraordinário de reabilitação do corpo e da alma". A neurocientista Lucia Braga, à frente da Rede Sarah, é íntima da música e da arte, e tem consciência e provas diárias do quanto isso é transformador para reabilitar corpo e mente. Parabenizo sempre suas iniciativas nessa direção.

Eu estive lá com os colegas Irlam Rocha Lima, Ana Carolina Alves, Pedro Mesquita, Minervino Júnior e Ana Sá, porque não recuso convites que me movem em direção à delicadeza e ao lado bom da vida. Eles salvam o dia, a semana, a existência. Desejo que façam o mesmo neste domingo.

postado em 01/06/2025 06:00
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