
Três anos depois de o governo Bolsonaro negar o reconhecimento de perseguida política, durante a ditadura militar (1964-1985), a Dilma Rousseff, o pedido da ex-presidente será apreciado pela Comissão de Anistia, vinculada ao Ministério de Direitos Humanos e de Cidadania. Na próxima terça-feira, 14 conselheiros se reúnem, em Brasília, para analisar o recurso. Além da indenização financeira, que pode chegar a R$ 100 mil, ela cobra contagem do tempo do período em que esteve encarcerada, em 1970, até a promulgação da Lei da Anistia, nove anos depois, para efeitos de aposentadoria.
Ex-guerrilheira, Dilma ficou presa por três anos na ditadura militar. Porém, em abril de 2022, a comissão rejeitou seu pedido por entender que a solicitação não poderia ser analisada, pois sua anistia foi reconhecida pelo governo do Rio Grande do Sul.
À época, o então presidente Bolsonaro comemorou a decisão. "Dilma Rousseff perdeu. Quem sabe, lá na frente, quando algum esquerdista voltar ao poder — espero que não aconteça —, você consiga mais uma pensão", ironizou.
O pedido da ex-presidente é o primeiro na pauta da sessão. Pelo rito, Dilma poderá falar ou seu representante legal — no caso, o Escritório Torreão Machado e Linhares Dias Advocacia. Em seguida, 14 dos 21 conselheiros, escolhidos para esse caso por sorteio, votam para deferir ou rejeitar o pedido. Atualmente, Dilma mora na China e está à frente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, o Banco do Brics).
Ao Correio, a presidente da Comissão de Anistia, Ana Maria Lima de Oliveira, disse que a inclusão do recurso de Dilma na pauta é simbólico e histórico. "Representa que o Estado brasileiro se dispõe a analisar e, com possibilidades de reconhecer, que a ex-presidente lutou por liberdade e pela democracia em um momento de opressão do país. Também será a oportunidade de pedir desculpas em nome do Estado", explicou.
Segundo Ana Maria, uma vez reconhecido que a pessoa foi uma "perseguida política", a comissão faz uma cerimônia de pedido de desculpas em nome do Estado. "É um rito necessário. Instauramos esse protocolo por tudo o que representa uma issão de responsabilidade", disse.
A comissão deve analisar entre seis e sete processos na terça-feira, além do recurso da ex-presidente. São três blocos de apreciação: um pela manhã, em que o pedido de Dilma é o primeiro, e dois à tarde. Vários critérios são estabelecidos para o reconhecimento de "perseguido político". O principal é a comprovação de que a perseguição sofrida foi exclusivamente política, no período de 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de 1988.
A vítima tem de encaminhar, com o pedido, provas documentais ou testemunhais que demonstrem ter sido acossada pelo regime — como atos de exceção, transferências, perdas de comissões, afastamentos e impedimentos profissionais. A perseguição deve ser comprovada que ocorreu por motivação política, e não de outras causas.
Em 2023, a Comissão de Anistia retomou os trabalhos e, de lá para cá, mais de 1,7 mil processos foram deferidos e as pessoas obtiveram o reconhecimento de perseguido ou perseguida política. Os pedidos vão desde a concessão do status até o pagamento de valores diferenciados de indenização. As sessões são públicas e transmitidas pela internet.
Pau de arara, palmatória, choques...
Em 2011, o jornal Estado de Minas trouxe à tona, em detalhes, o depoimento de Dilma relatando a tortura a que foi submetida, nos porões da ditadura em Juiz de Fora (MG), São Paulo e no Rio de Janeiro. Na ocasião, ela — que assumiu vários codinomes como militante política, como Estela, Stela, Vanda, Luíza, Mariza e Ana — contou o quanto sofreu nas mãos dos torturadores e atrás das grades.
"Algumas características da tortura. No início, não tinha rotina. Não se distinguia se era dia ou noite. Geralmente, o básico era o choque", lembrou Dilma, em depoimento dado em 25 de outubro de 2001, quando ainda era secretária das Minas e Energia no Rio Grande do Sul, e filiada ao PDT.
O depoimento foi prestado para a Comissão Estadual de Indenização às Vítimas de Tortura (CEIVT), do Conselho de Direitos Humanos de Minas Gerais. À época, ela detalhou como eram os métodos dos agentes da ditadura para colher depoimentos dos militantes de esquerda.
"Se o interrogatório é de longa duração, com interrogador experiente, ele te bota no pau de arara alguns momentos e, depois, leva para o choque. Uma dor que não deixa rastro, só te mina. Muitas vezes usava palmatória. Usaram em mim muita palmatória. Em São Paulo, usaram pouco este 'método'", relatou.