Nas Entrelinhas

Análise: notícias de novo cessar-fogo entre judeus e palestinos na Faixa de Gaza

Netanyahu aceitou uma proposta de Trump para interromper o massacre na Faixa de Gaza e libertar os reféns israelenses. O Hamas analisa os termos do acordo

Moradores retornando para suas casas no norte de Gaza em janeiro -  (crédito: Reuters)
Moradores retornando para suas casas no norte de Gaza em janeiro - (crédito: Reuters)

O falecido historiador britânico-judeu Tony Judt, num artigo intitulado O que fazer?, em 2009, vaticinou que a opção de deixar "mediocridades incompetentes" à frente de Israel e da Autoridade Palestina teria consequências catastróficas. "Graças ao tratamento abusivo dos palestinos pelo 'Estado judeu', o imbróglio israelense-palestino é o motivo mais iminente para o ressurgimento do antissemitismo em todo o mundo. É o fator mais eficiente no recrutamento de agentes para os movimentos islâmicos radicais. E priva de um sentido as políticas externas dos Estados Unidos e da União Europeia para uma das regiões mais delicadas e instáveis do mundo. Algo diferente precisa ser feito."

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Nada foi feito, e o resultado é a terrível situação em Gaza, depois de um ataque covarde e brutal do Hamas contra Israel e a desproporcional retaliação promovida pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu contra os palestinos, não apenas os militantes do Hamas, mas idosos, mulheres e crianças. A ONU alerta que 2 milhões de pessoas estão em risco de fome após 11 semanas de bloqueio israelense à entrada de ajuda.

Israel iniciou a ofensiva militar em Gaza após o ataque dos terroristas do Hamas contra comunidades no sul do país, em 7 de outubro de 2023. Cerca de 1.400 pessoas foram assassinadas e 250 foram sequestradas em Israel pelo Hamas. A resposta militar israelense, 20 meses depois, já deixou mais de 54 mil palestinos mortos. Grande parte da infraestrutura da Faixa de Gaza foi destruída.

A retaliação de Israel era legitimada pela narrativa da luta contra o terrorismo e a memória do Holocausto. A coisa mais tenebrosa que já conheci foram os campos de concentração de Auschwitz e Birkenau, na Polônia, designados pelo regime nazista de Adolph Hitler como o lugar de "Solução Final" para os judeus. Entre o começo de 1942 e o fim de 1944, homens, mulheres, crianças e anciãos foram transportados em trens de toda a Europa para serem eliminados em câmaras de gás e crematórios naquele complexo macabro.

Cerca de 1,3 milhão e 3 milhões de prisioneiros foram ali exterminados, sendo 90% judeus. Aproximadamente 150 mil poloneses, 23 mil ciganos, 15 mil soldados soviéticos e 400 testemunhas de Jeová também foram executados, morreram de fome, doenças ou em experiências médicas. Tudo o que já havia visto sobre o Holocausto, em fotos, vídeos e filmes, nem se compara à experiência da visita ao local, onde a racionalidade humana banalizou o mal.

As notícias que chegam diariamente de Gaza são desanimadoras e chocantes. O massacre de crianças, mulheres e idosos está sendo naturalizado. Nesta quinta-feira, surgiu uma nova esperança de paz: Israel aceitou uma proposta do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para um cessar-fogo na Faixa de Gaza, segundo informou a Casa Branca. O Hamas analisa os termos do acordo.

Drama existencial

O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu já comunicou a iminência do cessar-fogo aos familiares de reféns mantidos em Gaza, porém, o governo de Israel ainda não se pronunciou oficialmente. Na Casa Branca, a porta-voz do governo americano, Karoline Leavitt, também não deu detalhes. Segundo o The New York Times, o mais importante jornal norte-americano, a proposta inicial prevê uma trégua de 60 dias e a entrada de mais ajuda humanitária. "Posso confirmar que estas conversas continuam, e esperamos que haja um cessar-fogo em Gaza para que possamos devolver todos os reféns para casa", disse Leavitt.

O Hamas confirmou à agência Reuters que estuda a proposta com "alto senso de responsabilidade" para contemplar "os interesses do nosso povo e encerrar a agressão". O último cessar-fogo entre Israel e o Hamas durou pouco mais de um mês, sendo encerrado em março. Desde então, Israel prossegue a devastação em Gaza. Prospera a tese de que a região deve ser ocupada definitivamente por Israel e os palestinos que desejarem abandonar seu torrão natal receberão uma ajuda de custo para sair. Trump já disse que se dispõe a reconstruir Gaza, para transformá-la num balneário turístico.

O governo de Israel é criticado pela comunidade internacional por causa da morte de civis e pelo agravamento da crise humanitária em Gaza. O objetivo de retaliar a agressão do Hamas já foi alcançado, inclusive com a morte de seus principais líderes. O de libertar os reféns e liquidar o Hamas, porém, fracassou política e militarmente. Até agora, a maioria dos reféns que voltaram para casa foram trocados por prisioneiros palestinos, durante acordos de cessar-fogo. O problema é que depois a guerra continuou.

Quando escreveu seu artigo, Judt foi profético. Sem a solução do Estado Palestino, Israel viveria um drama existencial: continuar sendo um Estado judeu, com um regime de apartheid, e deixar de ser uma democracia liberal, como propõe Netanyahu, ou se tornar uma democracia multiétnica e deixar de ser um Estado judeu, com a anexação dos territórios palestinos ocupados. A terceira opção seria empurrar os palestinos de Gaza para o deserto do Sinai e promover uma limpeza étnica nos territórios ocupados da Cisjordânia.

 

 

postado em 30/05/2025 03:55
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