
Há algo de profundamente emocionante em ver um brasileiro triunfando no cenário global. Seja um filme ovacionado em Cannes, uma música tocada nos quatro cantos do mundo ou um atleta que conquista um título inédito, cada vitória reverbera como um eco de pertencimento em milhões de corações. Em um país onde a autoestima nacional já sofreu tantos abalos históricos, esses momentos de reconhecimento internacional reacendem um orgulho vibrante, quase cômico, que nos lembra da potência criativa, resiliente e brilhante do nosso povo. Mas por que precisamos desse olhar externo para valorizar o que é nosso? Será que estamos, pouco a pouco, superando o tão falado "complexo de vira-lata"?
A socióloga indígena e líder do Povo Guayana-Muiramomi, Silvia Muiramomi, acredita que a globalização e o avanço da cultura brasileira no exterior estão trazendo novas possibilidades de narrativa. "As artes audiovisuais estão permitindo que a sociedade brasileira enxergue diferentes perspectivas e histórias que sempre existiram, mas nunca foram incluídas na narrativa oficial. Quando um filme como Ainda Estou Aqui ganha visibilidade, ele não apenas emociona, mas também reconstrói memórias coletivas e ajuda a curar feridas sociais profundas", analisa.
História complexa
Para Silvia, a dificuldade do brasileiro em valorizar sua própria cultura está enraizada em séculos de apagamento histórico. "Desde 1758, fomos forçados a assimilar uma cultura que não era nossa, rompendo nossa conexão com nossa identidade original. Até hoje, o Brasil insiste em se apresentar como uma nação homogênea, quando, na realidade, somos um país pluriétnico, com histórias, línguas e tradições que merecem ser reconhecidas. O sucesso internacional das nossas produções culturais pode ajudar a romper essas barreiras e trazer essas narrativas para o centro da nossa identidade", explica.
Essa valorização, no entanto, precisa acontecer internamente também. O psicanalista e professor sênior da Associação Brasileira de Psicanálise Clínica (ABPC) Artur Costa ressalta o impacto emocional de se sentir pertencente a um país que é irado lá fora. "O reconhecimento global de artistas brasileiros funciona como um espelho positivo para o povo. Quando vemos um cineasta, um músico ou um escritor nacional brilhando no exterior, isso fortalece a autoestima coletiva e gera um sentimento de orgulho poderoso", afirma.
Ele destaca que essa validação pode ter um efeito psicológico profundo, influenciando até a saúde mental das pessoas. "O pertencimento a uma cultura valorizada gera segurança emocional, fortalece a identidade individual e reduz a sensação de isolamento. Quanto mais reconhecemos a riqueza da nossa história e cultura, maior é nossa resiliência diante dos desafios", enfatiza.
Reconhecimento
Nos últimos anos, diversos brasileiros ganharam reconhecimento internacional e reforçaram essa identidade nacional vibrante. Nomes como Anitta, indicada ao Grammy, Fernanda Torres; seguindo os os de sua mãe, Fernanda Montenegro, e sendo indicada a vários prêmios; Rebeca Andrade, ginasta que conquistou o planeta com sua performance precisa; Tom Jobim, dono da clássica música Garota de Ipanema, considerada a segunda canção mais executada da história da música mundial; Gisele Bündchen, que até hoje é apontada como a melhor modelo do mundo. Além deles, talentos em diversas áreas — como a cientista Jaqueline Goes, que sequenciou o genoma do coronavírus em tempo recorde, e o chef Alex Atala, aclamado mundialmente por sua culinária autêntica — mostram que a criatividade e a inovação brasileiras são respeitadas mundo afora.
A sensação de pertencimento e orgulho nacional também se manifesta quando grandes estrelas internacionais elogiam o Brasil, algo que acontece com frequência e reforça a autoestima coletiva. Quando artistas de renome mundial destacam a cultura, o povo ou as belezas naturais do país, muitos brasileiros sentem-se validados e reconhecidos. Beyoncé já declarou sua iração pelo samba e pela energia do público brasileiro, enquanto Paul McCartney sempre menciona o carinho especial que recebe aqui.
Lady Gaga, que se encantou com o país durante sua agem pelo Rock in Rio, tem uma tatuagem no ombro com a palavra "Rio", escrita em homenagem à cidade. Harry Styles também eternizou seu amor pelo Brasil com uma tatuagem na coxa que diz "Brasil!" em letras garrafais. Esses gestos, por mais pessoais que sejam, reverberam entre os fãs e ajudam a fortalecer a ideia de que o Brasil ocupa um lugar especial no imaginário cultural global.
Autenticidade
Mas será que esse reconhecimento realmente transforma a identidade nacional ou apenas reforça estereótipos sobre o Brasil? Silvia Muiramomi faz uma reflexão contundente. "Não se trata apenas de prêmios e validação acadêmica, e sim de dar espaço para as nossas genuínas e diversas narrativas culturais. Quando um rapper da comunidade se torna um ícone ou um indígena se apresenta internacionalmente ao lado de um DJ renomado como Alok, estamos revelando ao mundo a potência autêntica da nossa cultura", pontua.
Artur Costa complementa, destacando que a percepção de que o Brasil é irado globalmente pode gerar um senso coletivo de confiança e autoestima. "Esse tipo de sucesso fortalece a identidade cultural e pode incentivar novas gerações a acreditarem no próprio potencial. Quanto mais vemos brasileiros sendo exaltados lá fora, mais entendemos que não precisamos nos comparar, e sim nos orgulhar do que somos", conclui.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte