Saúde

Desafio invisível: saiba mais sobre a esclerose múltipla

Entenda como a doença afeta o sistema nervoso, seus principais sintomas, causas prováveis e os avanços da medicina no tratamento

Degenerativa e autoimune, esclerose múltipla afeta sobretudo mulheres -  (crédito: Reprodução/depositphotos.com)
Degenerativa e autoimune, esclerose múltipla afeta sobretudo mulheres - (crédito: Reprodução/depositphotos.com)

A esclerose múltipla é uma doença autoimune do sistema nervoso central, na qual o sistema de defesa da própria pessoa a a atacar estruturas específicas do organismo, como o cérebro, mais precisamente o tronco encefálico, o cerebelo e toda a medula espinhal. Segundo a Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (ABEM), estima-se que cerca de 40 mil brasileiros tenham a doença.

Fatores como predisposição genética, infecção prévia pelo vírus Epstein-Barr, baixos níveis de vitamina D, tabagismo e sexo feminino estão associados a um risco aumentado de desenvolver a doença. A esclerose múltipla não é considerada hereditária, mas familiares de primeiro grau de pessoas diagnosticadas têm maior probabilidade de apresentá-la, especialmente se a mãe for a afetada.

A forma mais comum é a remitente-recorrente, caracterizada por surtos neurológicos seguidos de períodos de recuperação parcial ou total. Com o tempo, parte desses casos pode evoluir para a forma secundária progressiva, em que há agravamento contínuo dos sintomas, mesmo sem surtos evidentes.

"A forma primária progressiva apresenta evolução lenta e progressiva desde o início, sem períodos de remissão. Existe ainda a forma progressiva com surtos, que é rara e combina progressão contínua com episódios agudos. Cada tipo tem particularidades clínicas e exige estratégias terapêuticas específicas", analisa Frederico Jorge, neurologista do Hospital Santa Catarina Paulista.

Sintomas

Segundo Tarso Adoni, neurologista e coordenador da Residência Médica em Neurologia do Hospital Sírio-Libanês, os sintomas mais comuns que, inicialmente, fazem com que a pessoa procure auxílio médico são as alterações da visão, em que normalmente, apenas um dos olhos a a apresentar dor ao ser movimentado. Esse sintoma dura cerca de 24 horas e, após esse período, a pessoa começa a perceber um embaçamento na parte central da visão. "Essa condição é chamada de neurite óptica e é uma manifestação inicial bastante comum. Outras manifestações comuns envolvem alterações sensitivas. O paciente pode relatar, por exemplo, que um lado do rosto está estranho ou adormecido, ou ainda que um dos lados do corpo apresenta formigamento persistente durante três, quatro ou cinco dias", relata.

Alterações na movimentação ocular também podem ocorrer, levando o paciente a se queixar de visão dupla. Há ainda queixas de tontura persistente, que se prolonga por mais de 24 ou 48 horas. Levando em consideração que a esclerose múltipla é uma doença que acomete, habitualmente, indivíduos jovens entre 20 e 30 anos de idade, o primeiro sintoma costuma surgir nessa faixa etária. Entretanto, a condição é mais comum em mulheres: estima-se que, para cada três mulheres com esclerose múltipla, haja um homem com a doença.

O médico salienta que a esclerose múltipla pode ser confundida com outras doenças e outras condições que afetam o sistema nervoso central podem se manifestar inicialmente de forma semelhante à ela. "Por esse motivo, é fundamental que, diante da suspeita da patologia, o paciente seja encaminhado a um médico especialista ou a um centro de referência, capaz de solicitar uma série de exames após a avaliação inicial."

Diagnóstico

O diagnóstico é, inicialmente, suspeitado com base na avaliação clínica. Assim, queixas como alterações sensitivas, dificuldades na movimentação ocular, perda de sensibilidade nas pernas ou vertigem contribuem para levantar a suspeita diagnóstica. Os exames imprescindíveis e obrigatórios para a confirmação do diagnóstico são a ressonância magnética e a coleta do líquido cefalorraquidiano (o líquor).

Frederico Jorge esclarece que o diagnóstico precoce é essencial para um tratamento eficaz. "A doença pode causar lesões silenciosas no sistema nervoso mesmo nos estágios iniciais. O tratamento precoce ajuda a conter a inflamação, preservar a função neurológica e reduzir o risco de progressão da doença a longo prazo. Hoje, o conceito de janela terapêutica precoce é amplamente adotado na prática clínica", acredita.

Tratamento

A esclerose múltipla é uma doença que ainda não tem cura, sendo, portanto, considerada uma condição crônica, mas que possui tratamento disponível. Em cerca de 85% dos pacientes, ela se manifesta na forma chamada recorrente-remitente. Essa forma significa que o paciente apresenta os chamados surtos, que são episódios de sintomas como visão dupla, perda de sensibilidade ou alteração visual.

A forma recorrente-remitente possui tratamentos disponíveis e, atualmente, existem terapias aprovadas de alta eficácia que conseguem controlar a doença de maneira muito adequada, permitindo que o paciente leve uma vida normal. "O ideal é que o tratamento seja iniciado o mais precocemente possível, para que o paciente possa se beneficiar plenamente das terapias, que serão escolhidas com base em seu perfil clínico, na disponibilidade e no o. Vale destacar que a maior parte dos medicamentos utilizados no tratamento da esclerose múltipla está disponível pelo Sistema Único de Saúde (SUS)", argumenta Tarso Adoni.

Vida

A esclerose múltipla é uma doença muito mais comum nos países do hemisfério Norte. Em geral, esses países contam com maior disponibilidade de recursos e investimentos em pesquisa, o que faz com que a doença seja uma das neurológicas mais estudadas. Atualmente, há múltiplos estudos em andamento, tanto com foco em tratamentos reparadores quanto em uma possível cura. "Por isso, pode-se dizer que, talvez, seja apenas uma questão de tempo até que sejamos capazes de controlar a esclerose múltipla de forma definitiva e, quem sabe, até alcançar a cura", finaliza Tarso.

Com o tratamento adequado e o acompanhamento multidisciplinar, muitos pacientes vivem de forma ativa e independente. Algumas pessoas podem precisar de fisioterapia, e psicológico ou pequenas adaptações no trabalho ou em casa, especialmente se apresentarem fadiga, dificuldades motoras ou cognitivas. "O plano de cuidado deve ser sempre individualizado, respeitando a realidade de cada paciente", conta Frederico.

Palavra do especialista

Como os medicamentos imunomoduladores ou imunossupressores atuam no controle da doença?

Essas medicações têm como objetivo modular ou suprimir a resposta imune do organismo, evitando que o sistema imunológico ataque a mielina, que é a estrutura que protege as fibras nervosas. Os imunomoduladores atuam de forma seletiva, enquanto os imunossupressores são usados em casos mais agressivos, com ação mais ampla. Ambos contribuem para reduzir a atividade da doença, evitar surtos e retardar a progressão das sequelas neurológicas.

Quais avanços recentes na neurologia oferecem esperança para quem convive com a doença?

Nas últimas décadas, a esclerose múltipla ou de uma doença de difícil manejo para uma condição com ampla gama de tratamentos eficazes. Novas drogas, tanto orais quanto injetáveis, com diferentes mecanismos de ação, têm sido aprovadas, inclusive no SUS. Há também pesquisas em andamento com terapias de remielinização e células-tronco, além do uso crescente de biomarcadores para personalizar o tratamento. Esses avanços têm permitido intervenções mais precisas e um prognóstico mais positivo para os pacientes.

Frederico Jorge é neurologista do Hospital Santa Catarina Paulista.

*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte

postado em 18/05/2025 06:00 / atualizado em 18/05/2025 06:00
x