
Você é jovem, sai com os amigos, tira várias fotos com a sua câmera digital, muito provavelmente uma Cybershot, modelo da Sony que é a preferida. Ao chegar em casa, ansioso, conecta o cabo ou o cartão de memória no computador para ver as imagens em uma tela maior e selecionar as suas preferidas. Ao mesmo tempo em que essa cena pode ser tirada diretamente de 2005, ela pode ter acontecido — acredite — na semana ada.
As câmeras digitais, as Polaroids e até as máquinas fotográficas analógicas caíram no gosto dos adolescentes. As gerações Z, jovens nascidos entre 1997 e 2010, e Alfa, os nascidos a partir de 2010, estão entre os protagonistas da tendência. O estudante Augustus de Aguiar Matos, 16 anos, é um deles. E dos bem empolgados, diga-se de agem. Dono de uma Polaroid e de uma câmera digital, além da analógica só esperando no carrinho de um site de compras, ele conta que sempre gostou de fotografia.
Quando criança, gostava de se sentar no chão da sala e folhear os álbuns de fotos antigas da família. A vontade de ter a Polaroid veio em 2021, quando a máquina ficou em evidência e ele viu nela a chance de ter, assim como os seus pais tinham, mídias físicas com as suas lembranças.
"Uma foto boa sabemos que vamos ter. O celular permite isso. Mas a foto espontânea, que você só tem uma chance de ter, ou aquela com um efeito antigo, são algo diferente e, por isso, tão legal." De lá para cá, Augustus já reúne algumas centenas das pequenas fotos quadradas dentro da moldura branca. Elas ficam, inclusive, expostas no quarto do jovem. Ele e os amigos usam os cartuchos antigos de filme para expor as imagens.
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Dos anos 1990 para os 2000
Em seguida, veio a digital. Com uma irmã 11 anos mais velha e vendo desenhos e filmes dos anos 2000, Augustus ficou empolgado para ter a sua. Cerca de um ano antes da proibição dos celulares durante as aulas, ele comprou a máquina e começou a se aventurar nas fotos.
Tempos depois, os amigos começaram a investir também no equipamento. Hoje, ele acredita que mais de 90% das fotos que os colegas tiram é com as câmeras digitais. Para os momentos ficarem ainda mais divertidos e surpreendentes, no início das aulas, eles se reúnem e trocam as câmeras — alguns têm, inclusive, mais de uma. No fim do dia, destrocam e começam a ver as imagens.
Apesar de para alguns adolescentes a máquina ter sido a única alternativa e a transição ter sido difícil, Augustus vê a distância do celular com bons olhos. "Para mim, está tão saturado, ficamos o dia todo expostos ao on-line e acho que perdemos a autenticidade. A mídia física se torna mais real e autêntica", acredita.
Além de curtir o efeito que as máquinas dão para as imagens, Augustus faz questão de revelar as imagens. Além de gostar de ter as imagens físicas, ele as usa para presentear os amigos. "Escrevo um bilhete junto com a foto e, agora, estamos também fazendo álbuns de foto completos para presentear. É uma coisa diferente, com um significado especial", comenta.
Fã da tendência vintage como um todo, o estudante não se limita às fotos. Ele tem — e ouve com frequência — um tocador de discos de vinil e criou o hábito de trocar cartões portais com os amigos. "Sempre que algum de nós viaja, compra cartões dos pontos turísticos e escreve bilhetes."
Um olhar poético
Tempo, tato e surpresa. Na era dos cliques infinitos e da imagem descartável, as máquinas analógicas — com sua limitação de poses, seu processo manual e seu mistério na revelação — devolvem à fotografia o seu caráter ritualístico. De acordo com Rose May Carneiro, coordenadora de extensão da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), jovens buscam nas câmeras antigas, como ocorre com um vinil ou uma fita cassete, uma experiência sensorial, única, imperfeita e mais autêntica.
"O analógico resgata o encantamento de esperar pela imagem, de errar, de tocar, de guardar. É uma espécie de contracultura afetiva diante do excesso descartável do digital. A nostalgia, aqui, não é um lamento pelo ado, mas um instrumento de invenção do presente. Estou, inclusive, escrevendo um artigo sobre como essa geração hiperconectada que reencontra na fotografia analógica não apenas uma estética vintage, mas uma forma de resistência ao imediatismo", ressalta.
A nostalgia surge como um gesto de cura: ao recuperar o que parecia esquecido, ela reconstrói vínculos, afeições e modos de olhar, como descreve Rose. O fascínio pelas bordas da Polaroid, pelos tons esmaecidos do filme vencido ou pelas fotos tremidas revela uma vontade de desacelerar, de sentir com mais profundidade o revelar da memória que nasce com a fotografia. É um afeto geracional com o tempo e com as lembranças.
Muito além da Sony Cybershot, que ganhou nova vida com o TikTok e o Instagram, outras câmeras
ressurgem com força. Segundo Rose, a Canon Powershot A95 e outras compactas digitais dos anos 2000, com flash estourado e baixo contraste, estão entre as mais utilizadas pela nova geração. "Olympus Trip 35, famosa pela sua portabilidade e nitidez suave; Minolta X-700 e Pentax K1000, amadas por estudantes de fotografia; Yashica T4 e Contax T2, clássicos de filme 35mm cultuados pela textura e saturação; Polaroid SX-70 e 600, que fazem da revelação instantânea uma performance poética", detalha.
E até as câmeras descartáveis Fujifilm voltaram às prateleiras, agora como gesto consciente e senso artístico. Para a professora, é importante ressaltar que essas câmeras carregam uma estética que não é só visual, mas também emocional e política: cada imagem tirada com elas carrega uma intenção; nada é aleatório. Não se trata de um simples ato de apertar um botão.
"Fotografia é arte, mas também pensamento. Você fotografa com o seu universo cognitivo, com as suas vivências e experiências. Aí está a delícia de fotografar com essas câmeras. Elas funcionam como uma espécie de pincel. Ao utilizar cada uma delas, você sabe, mais ou menos, o quadro que vai pintar. Todo o resto é o acaso e o seu olhar poético. Por isso, o frisson. Fica difícil resistir", destaca Rose.
O retorno ao analógico pode ser terapêutico, formativo e poético. Permite que os jovens reaprendam a olhar — e não apenas a consumir imagens. Com o celular, o gesto de fotografar virou um reflexo. "Sebastião Salgado (morto no mês ado), inclusive, disse que poderia ser qualquer coisa, menos a fotografia em seu sentido lato. Com uma câmera analógica é diferente, pois vira escolha. O tempo que se leva para revelar uma foto pode ser o mesmo tempo que se precisa para refletir, criar, existir."
De mãe para filha
Maria Luisa Valença de Moraes, 16 anos, também é a orgulhosa dona de uma câmera digital. Para ela, o principal atrativo é a estética das fotos. “Elas têm um ar mais antigo, parece até um filtro natural. Também acho prática, só pegar o cartão de memória e já está no computador”, conta.
Quando se interessou e disse para a mãe que queria comprar, surpreendeu-se ao ouvir que elas tinham uma em casa, só precisavam encontrar e ter certeza de que ainda funcionava. Também fã de fotografia, a fonoaudióloga Roberta Inah Moraes, 45, se animou ao ver o interesse da filha.
A mãe costumava usar uma câmera semiprofissional para registrar os momentos especiais em família, e elas tinham o hábito de ver as fotos depois de cada dia de cliques. “Minha vontade de ter a máquina também veio do desejo de resgatar a sensação que tinha nesses momentos em família, quando nos reuníamos para tirar fotos e ver o resultado depois”, lembra Maria Luisa.
De acordo com a jovem, a câmera permite que os jovens não se distraiam com outros aplicativos no celular na hora de fazer fotos — ela gosta, inclusive, de se desligar do mundo on-line quando está com os amigos. Depois, claro, curte postar para dividir com eles os registros. “A gente consegue viver o momento e não ficar só tirando foto e postando nas redes na hora.”
A Polaroid está nos planos das duas, é um dos presentes que Maria Luisa gostaria de ganhar de aniversário. Roberta fica feliz ao ver a filha dividindo seu hobby e acha que as câmeras, mesmo as antigas, sempre têm um apelo, independente do celular.
Um ado mais simples
Wladimir Rodrigues, professor e coordenador do curso de psicologia do Uniceplac, explica que essas tendências vão muito além de estilo ou moda. Para ele, as pessoas tendem a procurar no ado uma espécie de refúgio emocional. “É sobre sentir algo que o presente, com sua velocidade e seu excesso de estímulos, muitas vezes, não consegue oferecer. Itens como câmeras analógicas nos devolvem uma experiência mais tátil, mais contemplativa”, comenta.
O psicólogo acredita que o gosto pelos objetos antigos é uma forma de se reconectar e vivenciar o tempo de outra forma — em que a vida é vivida mais devagar. Existe também o elemento afetivo, em que os objetos funcionam como portais emocionais. “É uma forma de ar memórias afetivas, de revisitar quem fomos — e, talvez, de atualizar isso de maneira mais consciente. É como se disséssemos a nós mesmos: eu ainda sou essa criança, esse adolescente. Eu ainda posso me reconhecer ali.”
Para os mais jovens, que não chegaram a conviver com esses objetos antes, Wladimir pondera que o estímulo é uma nostalgia imaginada. “É como uma saudade herdada. Esses jovens nunca usaram uma Polaroid nos anos 1990, por exemplo, mas veem nessas imagens e objetos algo que os conecta a uma estética mais sensível, mais humana.”
Em uma resposta simbólica à hiperexposição e à ansiedade causados pela performance e pelo excesso de informação, eles encontram conforto em um ado que não viveram, mas que imaginam como mais leve, seguro e íntimo. “Penso que essa nostalgia, mesmo que construída, cumpre uma função psíquica muito importante: a de criar uma base, uma raiz imaginária, num mundo que tantas vezes parece flutuante demais”, completa.
Wladimir acrescenta que essa busca se relaciona à construção de uma identidade mais autêntica, menos moldada por filtros e algoritmos. Entre as vantagens desse processo, o psicólogo enxerga um potencial de humanização, exercitando paciência, sensibilidade e atenção. Além de estimularem mais as conexões humanas e a criatividade.
O mundo em uma imagem
Em 2022, a universitária Louise Müller, 21, resolveu comprar sua primeira câmera analógica, uma Olympus-Pen EE-2. A ideia nasceu de uma curiosidade que a acompanha desde quando era pequena. Mais do que isso, queria descobrir como as fotos, antes tiradas pelo celular, ficariam com o efeito do filme. E assim que conseguiu revelar as primeiras imagens, o resultado foi encantador.
Apesar de jovem e fruto de uma geração totalmente tecnológica, a estudante de psicologia acredita que a resolução dos registros feito com celulares é previsível, polida e sem graça. “Embora seja um avanço, nada substitui a granulação, os tons de cor, o contraste e a experiência de tirar uma foto sem saber de imediato como ficou. Gosto muito desse mistério”, conta.
Toda essa magia, de fato, tem a conquistado até então. Para além da memória que surge com os registros, a estética vintage também é um ingrediente especial nessa receita regada de afeto e nostalgia. Isso, segundo Louise, também reflete a paixão que sempre teve por álbuns de fotografia, uma tradição herdada dentro de casa.
“Sinto que, na época dos meus pais e avós, as fotos eram sagradas. Não apenas as fotos, mas também livros, cartas, discos, uma série de bens físicos que agora se tornaram digitais. Agora, as fotos são armazenadas em uma nuvem, em vez de uma caixa de sapatos. A relação que temos com elas tem se tornado mais líquida”, enfatiza. Hoje, a estudante utiliza duas câmeras para capturar o mundo afora: Olympus-Pen EE-2 e Olympus Trip 200. “Compro e revelo meus filmes no laboratório fotográfico O Barco Estúdio. Gosto muito do atendimento deles e da variedade de opções de filmes”, finaliza Louise.
Onde revelar
Revelar imagens nem sempre é uma tarefa fácil, sobretudo por ser uma atividade antiga e pouco conhecida entre os mais novos. No entanto, ainda existem vários lugares espalhados por Brasília que continuam inaugurando memórias dos apaixonados pelos registros.
— O Barco Estúdio, SHCGN 716 Bloco E
— Cine Foto JM, CLS 202, Bloco A
— Ótima Digital, CLS 113, Bloco A
— Fujiclick Digital, SHCS CLS 113, Bloco C
— JK FotoStory, CLS 113, Loja 8
Estética retrô
Para aqueles que não têm, no momento, condições de comprar uma câmera analógica, vários aplicativos de celular garantem um efeito similar para inserir nas fotografias. Ainda que a experiência não seja a mesma, vale a pena para quem gosta desse universo.
— Dazz Cam
— VSCO
— Huji Cam
— 1998 Cam
— RetroCam
— PicsArt