Racismo

Resista também, Luighi!

Não há unanimidade sobre o primeiro caso de racismo no futebol brasileiro, mas o comportamento de um jogador do Fluminense, há 111 anos, é considerado um marco pelo livro O negro no futebol brasileiro

Luighi é uma das joias do alviverde: três gols e três assistências em 2025  -  (crédito: Cesar Greco/Palmeiras)
Luighi é uma das joias do alviverde: três gols e três assistências em 2025 - (crédito: Cesar Greco/Palmeiras)

As lágrimas e o discurso do jovem atacante do Palmeiras Luighi, de 18 anos, depois do inaceitável ato de racismo de um pai com filho no colo e de um adolescente, ambos torcedores do Cerro Porteño, no Paraguai, em um jogo da Libertadores Sub-20, remonta uma luta centenária.

Não há unanimidade sobre o primeiro caso de racismo no futebol brasileiro, mas o comportamento de um jogador do Fluminense, há 111 anos, em uma partida do Campeonato Carioca, é considerado um marco pelo livro O negro no futebol brasileiro, de Mário Filho, e por algumas teses acadêmicas.

Em 13 de maio de 1914 — Dia da Abolição da Escravatura — Carlos Alberto teria maquiado o rosto contra o ex-clube, América, nas Laranjeiras. Quando a torcida do Diabo notou, a vida de Carlos Alberto virou um inferno dentro das quatro linhas. Sob o forte calor que desmanchava a produção, Carlos Alberto ouvia: "Pó de arroz".

O Estádio das Laranjeiras foi palco do racismo da torcida do América contra Carlos Alberto, mas testemunhou o início da guerra a preconceito. Em 1919, a Seleção conquistou o primeiro troféu relevante em um duelo épico contra o Uruguai. Friedenreich, filho de um comerciante alemão e de uma lavadeira negra brasileira, fez o gol do título sul-americano na prorrogação. Carregado no colo, Friedenreich virou herói nacional.

"O chute de Friendenreich abriu o caminho para a democratização do futebol brasileiro. Preto só entrava no escrete uma vez na vida e outra na morte. E quando um branco que deveria jogar estava fora, doente ou coisa que o valha", escreve Mário Filho no livro O negro no futebol brasileiro.

Friedenreich gostava de ser diferente. "Untava o cabelo com brilhantina. Depois, com o pente, puxava o cabelo para trás. Não cedendo ao pente, puxava o pente para trás com a mão livre para segurar o cabelo. Queria colado como uma carapuça e colocava até toalha amarrada na cabeça antes de entrar quase sempre atrasado em campo", relata Mário Filho.

Primeiro clube a aceitar negros e mulatos, o Vasco foi vítima de discriminação em 1923. Sofreu boicote de Flamengo, Fluminense, Botafogo e América. Os rivais não itiam a possibilidade de um clube multirracial conquistar o Carioca, mas o resultado em campo prevaleceu. "Os clubes finos, de sociedade, como se dizia, estavam diante de um fato consumado. Não se ganhava campeonato só com times brancos. Um time de brancos, mulatos e pretos era campeão da cidade. Contra esse time, os times de brancos não tinham podido fazer nada", conta Mário Filho.

Os rivais do Vasco aram a exigir controles rígidos sobre a origem social dos atletas dos clubes filiados, incluindo a investigação dos meios de sobrevivência. "Os objetivos eram: expurgar os atletas negros, mulatos e de origem humilde que haviam subvertido o monopólio elitista do futebol".

O Vasco não aceitou a proposta da Liga Metropolitana de Football e ficou na Associação Metropolitana de Esportes Athleticos. Em 1924, o Fluminense conquistou a LDMT, e o Vasco, o bicampeonato na AMEA. O Gigante da Colina resistiu. Resista também, Luighi!

Marcos Paulo Lima
MP
postado em 08/03/2025 06:00
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