Geopolítica

Minérios: a nova moeda geopolítica e imperativo estratégico para o Brasil

Mineração não é opção: é imperativo, inclusive para o Brasil. A guerra na Ucrânia deixou claro que recursos minerais são tão estratégicos quanto o petróleo no século 20

Nesse cenário, o Brasil, detentor de um subsolo ainda pouco explorado, enfrenta uma encruzilhada, qual seja, tornar-se protagonista ou mero coadjuvante na geopolítica das commodities minerais -  (crédito: Antonio Cunha/CB/D.A Press)
Nesse cenário, o Brasil, detentor de um subsolo ainda pouco explorado, enfrenta uma encruzilhada, qual seja, tornar-se protagonista ou mero coadjuvante na geopolítica das commodities minerais - (crédito: Antonio Cunha/CB/D.A Press)

Raul Jungmann**

A guerra entre Rússia e Ucrânia escancara uma realidade incontornável do século 21: os recursos minerais transformaram-se em instrumentos de poder capazes de reconfigurar conflitos e estabelecer alianças globais. 

Recentes negociações mediadas pelos EUA, que vinculam o apoio para solucionar a guerra entre os dois países à cessão de terras raras e demais minerais críticos, ilustram como tais recursos são pivôs de soberania e influência. Esse episódio não é isolado. Revela um padrão que se repetirá à medida que a transição energética e a corrida tecnológica amplificam a demanda por minerais estratégicos. 

Nesse cenário, o Brasil, detentor de um subsolo ainda pouco explorado, enfrenta uma encruzilhada, qual seja, tornar-se protagonista ou mero coadjuvante na geopolítica das commodities minerais.

A proposta dos EUA condicionando o o aos recursos minerais evidencia a convergência entre segurança nacional e controle mineral. A China, que domina 90% do processamento de terras raras, já antecipara essa lógica, consolidando fontes de suprimento na África e na América do Sul. 

Nações com reservas estratégicas detêm o controle geopolítico da oferta de minérios e ainda ganham assento privilegiado nas mesas de negociação internacional. 

O Brasil, no entanto, parece subestimar sua posição nesse cenário. Segundo maior produtor de minério de ferro e que abriga 98,4% das reservas mundiais de nióbio, 280 mil toneladas de urânio e depósitos significativos de lítio, situa-se à margem dessa estratégia geopolítica ao manter um histórico de timidez em pesquisa geológica e políticas públicas fragmentadas. 

Apenas 4% do território tem mapeamento em escala adequada à produção mineral, não obstante os esforços do Serviço Geológico Brasileiro. Sem dados precisos, jazidas permanecem subutilizadas ou desconhecidas.

Em 2024, o setor mineral brasileiro recolheu R$ 93 bilhões em tributos, registrou 221 mil empregos diretos e respondeu por 47% do saldo comercial positivo. Os números são robustos, mas a produção ainda se concentra em commodities, como o minério de ferro, que representa 59,4% do faturamento setorial (R$ 270,8 bilhões) e 68,7% das exportações. 

Enquanto isso, minerais críticos para a transição energética — como lítio, grafite e terras raras — seguem sem estratégias claras de exploração e industrialização.

A falta de visão integrada abre espaço para que potências estrangeiras capturem oportunidades no Brasil. Empresas chinesas, como CNMC e MMG, adquiriram ativos estratégicos em estanho, níquel, entre outros, enquanto investidores norte-americanos financiam projetos de lítio em Minas Gerais. 

Esses movimentos não são filantropia. Refletem a corrida global por suprimentos seguros de materiais essenciais a baterias, placas fotovoltaicas, chips e armamentos.

A Agência Internacional de Energia projeta que o mercado de minerais críticos saltará de US$ 320 bilhões (2022) para US$ 1,2 trilhão até 2030. O Brasil tem todas as cartas para liderar esse boom. Possui pelo menos um depósito de cada mineral crítico listado pela União Europeia e pelos EUA.

Contudo, potencial não se traduz em poder sem infraestrutura, inovação e marco regulatório estável. O atual cenário é de entraves: legislações ambientais onerosas, morosidade na concessão de licenças e ausência de linhas de financiamento e de incentivos fiscais para industrialização in loco.

O setor privado sinaliza disposição com US$ 68,4 bilhões previstos em investimentos até 2029. Mas, sem coordenação estatal — via políticas de fomento à pesquisa, desburocratização e incentivos à inovação —, o Brasil seguirá exportando riqueza bruta enquanto importa soberania.

A conclusão é nítida. Mineração não é opção: é imperativo, inclusive para o Brasil. A guerra na Ucrânia deixou claro que recursos minerais são tão estratégicos quanto o petróleo no século 20. Para o Brasil, negligenciar seu subsolo é abrir mão de desenvolvimento econômico, autonomia tecnológica e influência geopolítica.

A escolha situa-se entre fazer parte do jogo global ou entregá-lo a outros. Com planejamento, é possível conciliar crescimento mineral, sustentabilidade e valor agregado — desde que haja vontade política para transformar potencial em poder.

** Ex-ministro da Defesa, da Segurança Pública, e atual diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração

Raul Jungmann - Opinião
postado em 09/03/2025 06:01
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