Trama golpista

Testemunhas apontam falhas na comunicação entre órgãos de inteligência e segurança antes do 8/1

Audiência no STF indica desarticulação institucional e ausência de coordenação efetiva entre PF, Ministério da Justiça e SSP do DF durante gestão de Anderson Torres

Anderson Torres é investigado por suas ações no tempo em que ocupou o cargo de ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro, mas também pela função que exerceu como secretário de Segurança do Distrito Federal em janeiro daquele ano -  (crédito: Ed alves/CB/D.A Press)
Anderson Torres é investigado por suas ações no tempo em que ocupou o cargo de ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro, mas também pela função que exerceu como secretário de Segurança do Distrito Federal em janeiro daquele ano - (crédito: Ed alves/CB/D.A Press)

Testemunhas ouvidas nesta terça-feira (27/5) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ação penal que investiga possível tentativa de golpe de Estado apontaram falhas de comunicação e desarticulação entre os órgãos de inteligência e segurança pública nas vésperas dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.

Anderson Torres é investigado por suas ações no tempo em que ocupou o cargo de ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro, mas também pela função que exerceu como secretário de Segurança do Distrito Federal (SSP-DF) em janeiro daquele ano.

Durante a audiência, a coronel Cíntia Queiroz dos Santos, da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, responsável pela elaboração do Protocolo de Ações Integradas (PAI) para os dias 6 a 8 de janeiro, afirmou que o documento previa expressamente a restrição de o à Praça dos Três Poderes, mas que o plano não foi executado como previsto.

O advogado de defesa de Anderson perguntou à coronel se os atos no dia 8 de janeiro teriam ocorrido caso os itens do protocolo tivessem sido seguidos pelos órgãos de segurança. “Não, com certeza não”, ela respondeu. Cíntia relatou que o plano foi elaborado em reunião emergencial no dia 6, uma sexta-feira, após a circulação de folders nas redes sociais sobre caravanas de manifestantes em direção a Brasília. Segundo ela, a reunião contou com representantes da Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros, Detran, Senado e STF.

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, a questionou, então, se a coronel não teve conhecimento sobre manifestações que incitavam abertamente uma tentativa de golpe, além da convocação de manifestantes para ocuparem a Praça dos Três Poderes. Cíntia informou que não atuava no setor de inteligência do órgão e, por isso, não teve conhecimento de manifestações com este teor. “Eu não participava de nenhum grupo de inteligência, excelência. Talvez seja por isso que não tenha chegado ao meu conhecimento”, disse em resposta à PGR.

Cíntia era responsável pelo planejamento das ações integradas da Secretaria de Segurança Pública do DF. Ela declarou que no dia 6 o cenário considerado no protocolo de segurança era de manifestações pacíficas. “Apenas tínhamos informações de caravanas oriundas de outros estados para se manifestarem em Brasília nos dias 7, 8 e 9”, afirmou.

Ainda segundo a coronel, os folders que indicavam as caravanas chegaram por WhatsApp na noite de quinta-feira. Não havia, àquela altura, menções à tomada de poder ou indícios de violência. “Nenhuma dessas convocações tinha indicações de tomada de poder. Eram só de caravanas mesmo”, completou.

Já o ex-ministro da Educação Victor Godoy, ouvido como testemunha, participou de uma reunião ministerial em 5 de julho de 2022 na qual Anderson Torres teria mencionado relatórios da Polícia Federal que apontavam riscos no sistema eleitoral. Segundo Godoy, foram debatidos alguns temas relativos "à preocupação que o presidente da República tinha em relação a transparência do processo eleitoral", comentou. 

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As falas reforçam uma das linhas da acusação — a de que, mesmo diante de alertas em documentos internos e da movimentação prévia nas redes sociais, as informações não circularam adequadamente entre os órgãos responsáveis. As testemunhas negaram qualquer conhecimento ou menção sobre golpe, estado de sítio ou de exceção em qualquer reunião que participaram, sobretudo nos meses finais do governo Bolsonaro.

O ex-chefe de gabinete de Anderson no Ministério da Justiça, Marcos Paulo Cardoso, mencionou que diversas reuniões foram feitas entre o primeiro e o segundo turno entre a cúpula da Polícia Federal, da PRF e do Ministério da Justiça, mas negou qualquer articulação ilícita.

Com isso, o conjunto das declarações revela fragilidades na articulação entre os setores encarregados de garantir a segurança institucional nos dias que antecederam a invasão aos prédios dos Três Poderes.

postado em 27/05/2025 17:34 / atualizado em 27/05/2025 17:36
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