Frequentemente episódios da crônica política evidenciam o distanciamento de autoridades da República com os reais problemas da população brasileira. O exemplo mais recente está ligado a uma gigantesca lacuna nacional: a regulamentação das redes sociais.
O caso veio à tona por ocasião da trapalhada ocorrida entre a comitiva brasileira e o presidente da China, Xi Jiping. A sugestão feita pelo presidente Lula de trazer alguém "de confiança" a fim de debater a regulamentação das redes sociais no país revela uma enormidade de equívocos. Em primeiro lugar, como assinalou o próprio Xi Jiping, o Brasil reúne todas as condições de disciplinar o uso e a atuação de redes sociais em território nacional. Mais do que ninguém, o governo Lula conhece os riscos inerentes do atual estado de anarquia digital, instrumento catalisador de um movimento político que por pouco não golpeou de morte a democracia brasileira em 2022.
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Em segundo lugar, trata-se de contrassenso convidar um país que impõe censura a arbitrar questões ligadas à liberdade de pensamento e à democracia. Equivale chamar o carrasco a participar de um debate sobre direitos humanos. Tal iniciativa do governo Lula ofende, ainda, nossa capacidade de definir as salvaguardas necessárias a uma relação segura e civilizada de todos os brasileiros com as redes sociais.
Ao invés de pedir auxílio à China, faria melhor o governo petista em conduzir um trabalho sério e consistente de regulação das redes sociais. Poderia tê-lo feito no início de 2023, quando assumiu o Palácio do Planalto e a interlocução com o Congresso Nacional. Mas já se aram quase 30 meses, e não se tem conhecimento sequer do posicionamento coeso do governo sobre o tema. Consta que uma possível proposta repousa na Casa Civil.
Soma-se à inabilidade do governo Lula à resistência do Congresso Nacional, que tem por dever legislar sobre as redes sociais. Tornou-se anedótica a postura de parlamentares mais preocupados em obter likes e selfies do que em discutir as necessidades da sociedade brasileira. Não há interesse do Legislativo em disciplinar as redes sociais, simplesmente porque elas são um instrumento precioso para vencer eleições. E assim o vale-tudo se perpetua.
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Forma-se o ambiente perfeito para a ocorrência de toda sorte de crimes, como desinformação em massa, disseminação do ódio, manipulação e os abomináveis "desafios" que provocam profundo sofrimento e até a morte de adolescentes e crianças, como a pequena Sarah, em abril, no Distrito Federal.
O ambiente digital não é um território alheio ao contrato social, que pressupõe normas de convívio e obediência a princípios civilizatórios. Mas as autoridades da República, que dispõem de todos os meios disponíveis para pôr fim à balbúrdia, só assistem a esse espetáculo degradante. Ou pedem socorro a quem, de maneira autoritária, estabeleceu as regras do jogo.